O município de Porteirinha já viveu a prosperidade da produção de algodão, que, no fim da década de 1980, foi dizimada pela entrada do bicudo, uma praga do algodoeiro, somada aos efeitos da falta de chuvas. Desamparados, muitos moradores da região, como a família do casal Fabiano e Sinhá Vitória, do livro “Vidas Secas”, obra emblemática do escritor Graciliano Ramos, se viram obrigados a fugir em busca de sustento na cidade grande ou nas lavouras de cana ou café no interior de São Paulo e em outras paragens de Minas. Mas, entre os pequenos produtores houve os que resistiram. Hoje, colhem os resultados da perseverança, sob a forma da produção de queijo artesanal que se torna não apenas reconhecida, mas premiada. Eles foram à luta e deram a volta por cima, demonstrando que, com esforço, dedicação e acesso ao microcrédito, a seca pode ser superada. A receita para isso foi a produção de queijo no sistema familiar, atividade que se expandiu em Porteirinha, na chamada região da Serra Geral de Minas. Lá, existem hoje cerca de 800 pequenos produtores artesanais do laticínio que, além de garantir a geração de emprego e renda, se destaca pela qualidade.
Prova disso foi que cinco pequenos produtores de Porteirinha conquistaram seis medalhas, das quais três de ouro, no Concurso Internacional de Queijos Artesanais da ExpoQueijo Brasil, principal premiação do setor na América Latina, realizada em Araxá, no Alto Paranaíba, no fim de agosto. A disputa contou com aproximadamente 400 produtores e 1.300 queijos, de quatro continentes. O presidente da Associação dos Pequenos Produtores de Queijo Artesanal da Serra Geral (Aproqueijo), Everson Pereira, afirma que foi no cenário de desamparo, diante da derrocada da produção algodoeira, que o queijo surgiu e se expandiu como alternativa no Norte mineiro, aliviando o flagelo da seca. “Com a cultura do algodão destruída pela praga do bicudo, a gente precisou buscar alguma saída para a geração de emprego e renda”, afirma Everson, explicando que a aposta no laticínio ajudou a interromper o êxodo rural. Ele conta que a criação de gado leiteiro e a produção queijeira ganharam impulso na região há 20 anos. Inicialmente, pequenos produtores da região começaram a vender o leite produzido para laticínios, que, no entanto, pagam um preço baixo pelo produto. Por isso, migraram para a produção de queijo artesanal. Receita de superação Mas os produtores de queijo artesanal de Porteirinha tiveram de inovar, com técnicas para viabilizar a atividade em uma área historicamente castigada pelo clima. “Tivemos que lidar com a seca e nos adaptar a ela”, afirma o pequeno produtor e presidente da Aproqueijo. Uma das práticas adotadas na antiga “terra do algodão” é a formação de silagem para garantir a sobrevivência do rebanho. No curto período chuvoso na região (entre novembro e março), os agricultores mantêm a criação leiteira no pasto, ao mesmo tempo em que plantam lavouras de sorgo e milho. Toda a produção é destinada à formação de silagem, para a manutenção das vacas em lactação ao longo da estiagem (de abril a outubro). A quantidade usada na alimentação é controlada, em torno de 25 quilos por animal/dia, sendo que os produtores mantêm pequenos rebanhos, de, no máximo, 40 cabeças. O presidente da Aproqueijo destaca que os produtores do Norte de Minas têm atenção com outro aspecto de suma importância no semiárido: a escassez de água. “Alguns molham plantações de milho, mas, como a água disponível é pouca, usam a microirrigação”, explica Everson, que também foi um dos premiados no concurso internacional em Araxá. No sistema familiar, ele produz cerca de 1.200 peças de queijo por mês na localidade de Guará, a três quilômetros da área urbana.
Ele salienta que os “queijeiros do sertão” também recorrem a outras estratégias para reduzir gastos e melhorar a rentabilidade do negócio. Uma delas são as compras de insumos – ração, sobretudo – em sistema de cooperativa, que diminui custos, por envolver maiores quantidades no momento da aquisição. Mas o empreendedor salienta que a superação da adversidade climática exige, acima de tudo, esforço, coragem e fé. “Para vencer a seca, o produtor precisa ir à luta e executar as coisas, acreditando que é preciso romper as dificuldades. Além disso, tem que gostar daquilo que faz”, enfatiza. “Hoje, o pequeno agricultor da região está adaptado à seca”, completa. (Comprerural)
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