Concentração de mercado no mundo e desafios para o Brasil: um olhar sobre a indústria de pneus (Parte 2) - Rede Gazeta de Comunicação

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Concentração de mercado no mundo e desafios para o Brasil: um olhar sobre a indústria de pneus (Parte 2)

PAULO GALA

Professor FGV/EESP

Nesse mesmo ano, foram produzidos aproximadamente 50 milhões de pneus no Brasil apenas para o mercado nacional, sendo exportados outros 11 milhões. As importações totais, de pneus, por outro lado, somaram 21 milhões nesse mesmo período. Para além do enorme mercado que esses números evidenciam, é visível que somos muito relevantes em termos de produção doméstica. Contudo, mesmo com tal poderio, o país tem participação praticamente irrelevante no mercado mundial, marcando menos de 1,5% do volume total de U$ 80 bilhões desse mercado, o qual se encontra concentrado e dominado por alguns países, como apontado no gráfico abaixo.

No momento, a indústria de pneus no Brasil se vê em situação que se tornou delicada graças à decisão de reduzir, de forma unilateral, o imposto de importação de pneus de carga (caminhões e ônibus) de 16% para 0%. Tal medida gerou, de uma só vez, três externalidades negativas: uma escalada tarifária negativa, haja visto que o imposto de importação das matérias primas do pneu é maior do que a alíquota do próprio pneu; imprevisibilidade econômica, dada a velocidade de aprovação e ausência de prazo para a medida e; por fim, uma falta de isonomia entre o produto nacional e importado. Todo esse cenário é ainda mais agravado, uma vez que ele se instala em um momento de alta nas matérias primas do pneu, tanto pela desvalorização cambial quanto pelo seu preço internacional per se. Com isso, por mais competitiva que a indústria nacional de pneus seja das suas portas para dentro ao produzir os mais de 1.000 tipos de pneus que atendem desde veículos de passeio até máquinas de mineração, uma medida como essa desconsidera fatores econômicos estruturais e suas disparidades regionais ao mesmo passo que reduz o custo do pneu importado no Brasil. Em um mercado disputado tão agressivamente pelas marcas multinacionais instaladas no país, tornar a importação mais atrativa é um convite à corrosão da indústria nacional. Isto é, para além de não melhorar a posição da indústria brasileira no fluxo de comércio global, o resultado mais provável do corte de tarifas será a interrupção da produção doméstica com transferência para plataformas de produção e exportações em outros países. Essa, inclusive, será apenas uma decisão lógica por parte das empresas multinacionais, mas nós perderemos o potencial de subir na escada tecnológica com futuras aprendizagens como, por exemplo, uma possível retomada da produção de pneus de aviões, dado que já possuímos ampla expertise para produzir todos outros tipos de pneus. Além disso, também perdemos empregos no Brasil ao mesmo passo em que geramos empregos no exterior com a alta nas nossas importações, as quais registraram, em maio de 2021, o maior volume desde 2012 para pneus de carga. Isto é, cortes de tarifa num ambiente de comércio internacional concentrado apenas transferem produção para outros países que já tem mais economias de escala e minam parques industriais dos países que cortaram a tarifa.

Nesse cenário, quando expostas à concorrência mundial sem proteção tarifária condizente com a realidade brasileira vista da porta da fábrica para fora, nossas indústrias nacionais sucumbem ao poder das gigantes produtoras do mundo que apenas escolhem quais países serão suas plataformas exportadoras. Ao governo brasileiro caberia enxergar isso e turbinar nosso potencial produtivo já existente com redução do custo de capital, melhora de infraestrutura, busca de transferência tecnológica e ganhos de escala na produção brasileira, além do combate ao dumping que sofremos. Não enxergar essas assimetrias e apenas cortar tarifas alegando ineficiência produtiva do Brasil é fechar os olhos à realidade do mundo empresarial como ele de fato é. Ao invés de miopia, o governo deveria se esforçar para enxergar mais longe. Poderia, por exemplo, colocar metas de sofisticação tecnológica e conquista de mercados mundiais para empresas nacionais e multinacionais aqui instaladas em troca de tarifas temporárias. Assim fizeram a Coreia do Sul, Japão e China para se tornarem os gigantes que são hoje. Apenas cortar tarifas é uma política pública simples e que não levara o país ao desenvolvimento econômico.

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