PEC da Reforma Administrativa ou o desmonte do serviço público (parte 2) - Rede Gazeta de Comunicação

PEC da Reforma Administrativa ou o desmonte do serviço público (parte 2)

RICARDO PRADO PIRES DE CAMPOS

Procurador de Justiça aposentado, presidente do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático e professor de Direito com mestrado em Processo Penal

Não é apenas na dispensa do concurso público que a PEC da Reforma Administrativa representa um grande retrocesso, mas também na ideia neoliberal de que o Estado deve ter caráter de subsidiariedade (nova redação proposta ao artigo 37 da CF) ao setor privado na vida econômica do país.

Não há dúvida de que o Estado não precisa estar em todos os setores da economia, que o liberalismo econômico traz algumas vantagens de eficiência em certos setores, mas daí a concluir que o Estado é quase dispensável. Restando-lhe atividade meramente residual no setor econômico é de uma falta de realismo impressionante.

Os Estados Unidos da América do Norte tiveram sua colonização mais marcada pela iniciativa privada; o Brasil, desde seu descobrimento, tem o estado no comando das ações. A primeira carta, redigida por Pero Vaz de Caminha, para noticiar a descoberta do Brasil vai para o rei de Portugal, ou seja, é endereçada ao Estado. O sistema de colonização, fundado em capitanias hereditárias, foi determinado pelo Estado. Na época, o Estado português se dizia o “proprietário” das terras brasileiras.

Nunca fomos um país exclusivamente estatal, a iniciativa privada sempre esteve presente nos negócios do reino, mas sempre muito atrelada ao poder do estado, em muitos setores sempre dependente do poder do estado. A República veio com a ideia de mudar essa realidade, e separar o Estado dos negócios privados, mas a prática não evoluiu da mesmo forma que o discurso.

Na teoria, a atividade econômica é reservada a iniciativa privada, mas na prática, sem o Estado, a população fica à míngua.

Basta olhar alguns dados básicos da realidade. No setor de saúde cerca de dois terços da população dependem da saúde pública, do SUS. A iniciativa privada não chega a um terço da população. A maioria não tem condições de pagar planos de saúde, e sem recursos e sem o estado não terão assistência médica alguma, a prevalecer a referida proposta de emenda constitucional.

“A título de exemplos destacados da abrangência e do impacto do SUS, podem ser citados os seguintes marcos atingidos no período recente, sabendo-se que mais de 70% da população brasileira depende exclusivamente do SUS:

1) 87 milhões de brasileiros são acompanhados por 27 mil Equipes de Saúde da Família (ESF), presentes em 92% dos municípios, sendo a base para um novo modelo assistencial;

2) Cerca de 110 milhões de pessoas são atendidas por Agentes Comunitários de Saúde (ACS), que atuam em 95% dos municípios brasileiros.

3) O SUS realizou, em 2006, 2,3 bilhões de procedimentos ambulatoriais, mais de 300 milhões de consultas médicas e 2 milhões de partos;

4) Nas ações de maior complexidade, foram realizados 11 mil transplantes, 215 mil cirurgias cardíacas, 9 milhões de procedimentos de quimio e radioterapia e 11,3 milhões de internações”.

No setor educacional não é diferente. Cerca de 80% da população faz o ensino básico em escolas públicas. As escolas privadas representam menos de 20% da atividade educacional no país. Retirar o estado da educação levará a maior parte da população a ficar sem escola.

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