Novas Tecnologias e seus impactos nas relações de consumo - Rede Gazeta de Comunicação

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Novas Tecnologias e seus impactos nas relações de consumo

Andrea Motolla

Advogada

A evolução tecnológica tem alterado significativamente as relações de consumo, ampliando o acesso a produtos e serviços e promovendo maior comodidade ao consumidor. Contudo, essa transformação não ocorre sem desafios, sobretudo no que diz respeito à proteção de direitos em um ambiente de constante inovação. O comércio eletrônico, os aplicativos e a inteligência artificial não apenas redefiniram a interação entre consumidores e fornecedores, mas também exigem a adaptação de normas, mecanismos de fiscalização e educação digital. Este artigo explora os impactos dessas tecnologias e apresenta propostas concretas para garantir a proteção do consumidor.

E-commerce: Expansão e Riscos nas Relações Digitais

O e-commerce, principalmente após a pandemia de COVID 19, consolidou-se como uma das principais formas de comércio, oferecendo praticidade e uma vasta gama de opções. Porém, os consumidores enfrentam desafios específicos nesse ambiente.

Os fornecedores devem garantir que as informações sobre produtos e serviços sejam claras, completas e acessíveis, em conformidade com o Código de Defesa do Consumidor (CDC) o que nem sempre ocorre nos sites e aplicativos que oferecem produtos e serviços.

Para aprimorar as relações de consumo on line entendemos que é premente o desenvolvimento de normas específicas para a descrição de produtos em plataformas digitais, com exigências sobre qualidade de imagem e detalhamento técnico. Por sua vez, é importante contar com a fiscalização ativa por parte de órgãos de defesa do consumidor, utilizando ferramentas de análise automatizada para monitorar sites e identificar irregularidades.

Quanto ao direito de arrependimento, embora haja previsão legal os consumidores muitas vezes enfrentam dificuldades práticas, como custos inesperados de devolução ou resistência de fornecedores. Com vistas a mitigar tais dificuldades algumas propostas seriam benéficas, entre elas:

Regulamentação específica para o direito de arrependimento em compras digitais, incluindo a obrigação de que os custos de devolução sejam previamente informados.

Criação de selos de conformidade para plataformas que implementem políticas de devolução claras e justas.

Incentivo ao uso de ferramentas digitais para automatizar processos de devolução e reembolso, aumentando a transparência e reduzindo o tempo de espera.

É fato que o crescimento do e-commerce levou ao aumentou dos casos de fraudes e vazamento de dados. A proteção ao consumidor nesse contexto requer a aplicação rigorosa da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e mecanismos de segurança digital, exigindo-se que as empresas invistam em sistemas mais robustos e em parcerias entre órgãos públicos e empresas para o desenvolvimento de campanhas educativas sobre segurança em transações digitais.

Aplicativos: Praticidade e Novos Desafios Jurídicos

Os aplicativos de serviços (como transporte, delivery e hospedagem) ampliaram a oferta e acessibilidade de serviços, mas também criaram relações mais complexas entre consumidores, plataformas e fornecedores

Frequentemente, as plataformas alegam atuar apenas como intermediárias na tentativa de se eximirem de responsabilidade, mas os consumidores muitas vezes não têm clareza sobre quem deve ser responsabilizado em casos de falhas.

Para evitar tais alegações é importante que as normas vigentes reforcem a responsabilidade solidária entre plataformas e fornecedores, especialmente em setores como transporte e delivery.

O uso de precificação dinâmica em aplicativos, como transporte e hospedagem, pode levar a práticas abusivas se não for devidamente regulado, e por isso deveria ter maior fiscalização.

Quanto aos sistemas internos de resolução de conflitos, oferecidos pelas plataformas, muitas vezes carecem de transparência e imparcialidade e se tornam pouco efetivos. Para aprimorar estes mecanismos, seria necessário melhorar a transparência, imparcialidade e a garantia de acesso ao Poder Judiciário.

Tendo este artigo se estendido nestas questões abordaremos o tema da IA e educação e letramento digital na 2ª parte deste artigo.

2ª. parte do artigo

Na 1ª parte do presente artigo debatemos acerca da expansão do comércio on line via e-commerces e aplicativos digitais, sugerindo algumas medidas para aprimorar as garantias dos consumidores.

Nesta 2ª parte do artigo iremos discutir sobre uma novidade que tem potencial para causar uma verdadeira revolução em vários aspectos das relações sociais e de consumo, a IA. Como ela já está impactando o dia a dia dos consumidores e quais as medidas devemos adotar para mitigar os danos.

Inteligência Artificial: Oportunidades e Riscos no Consumo

Certo é que a inteligência artificial está transformando a experiência de consumo, permitindo personalização, automação e maior eficiência. Contudo, também apresenta riscos significativos. Entre os mais importantes estão os relacionados à discriminação algorítmica, a falta de privacidade e responsabilidade por decisões automatizadas, como já vimos em casos que se espalham pelo mundo.

Assim, o uso de IA pode gerar discriminação, mesmo que não intencional, prejudicando consumidores com base em perfis criados a partir de dados. Por isso é importante a implementação de auditorias obrigatórias para algoritmos utilizados em serviços de consumo, com foco na prevenção de discriminação e práticas abusivas. A criação de um órgão regulador especializado em IA no consumo, ou a ampliação da competência da ANPD, seria bastante salutar, visando estabelecer padrões éticos e técnicos para o uso de IA.

E por falar na ANPD, a LGPD prevê o direito à revisão humana em decisões automatizadas que impactem os consumidores, mas a aplicação prática desse direito ainda é limitada.

Portanto, é de grande importância que todas as plataformas que utilizem IA informem claramente ao consumidor quando suas decisões forem automatizadas, permitindo a solicitação de revisão humana de modo mais simples e prático.

Em situações de danos causados por IA, a atribuição de responsabilidade ainda é um desafio que foge às regras do direito civil, e mesmo do direito do consumidor. Esta é uma realidade não prevista pelo legislador e merece uma análise e disciplina específica.

Necessário se faz o estabelecimento de normas específicas sobre responsabilidade civil em casos de danos causados por IA garantindo que o fornecedor seja responsabilizado independentemente de culpa.

Já em casos em que haja consumidores afetados por danos de larga escala causados por falhas de sistemas de IA, podemos avaliar a criação de fundos de compensação coletiva para indenização daqueles que forem prejudicados.

As mudanças ocorridas nos últimos anos nos levam a repensar as relações de consumo com o padrão até hoje estabelecido, se a atual regulação atende aos novos desafios e quais as medidas e políticas públicas devem ser tomadas para trazer mais segurança e transparência para os consumidores.

Neste sentido, propostas de longo prazo devem ser implementadas. Entre elas a promoção da educação financeira e para o consumo. Promover a conscientização sobre direitos e riscos no consumo digital também é essencial.

Assim, seria importante o desenvolvimento de programas nacionais de educação digital, incluindo cursos e materiais educativos sobre segurança, privacidade e direitos do consumidor.

Por outro lado, o poder público deve acompanhar continuamente o impacto das tecnologias e propor atualização das normas através dos órgãos de defesa do consumidor, com foco exclusivo em e-commerce, aplicativos e IA.

O uso de tecnologia para monitorar práticas de mercado pode fortalecer a proteção ao consumidor, evitando e coibindo práticas abusivas, identificando padrões de violação de direitos em larga escala.

O avanço tecnológico pode e deve ser um aliado na construção de relações de consumo mais justas, transparentes e acessíveis. Contudo, a proteção do consumidor exige ações concretas por parte do legislador, do Judiciário, de órgãos de defesa e das próprias empresas. A implementação das medidas propostas neste artigo pode não apenas mitigar os riscos associados às novas tecnologias, mas também transformar o Brasil em referência global na proteção ao consumidor no ambiente digital.