PATRICIA VALLE RAZUK
Advogada especialista em Direito de Família e Sucessões
Muito tem se falado acerca da paternidade socioafetiva nas redes, em razão de um movimento denominado “Red Pill”, em que homens listam motivos pelos quais evitam relacionamentos afetivos com mulheres que se encaixem em alguns perfis.
Dentre esses perfis, está a mãe solteira, pois, supostamente, segundo os integrantes desse movimento, traz com ela o famigerado risco de configuração da paternidade socioafetiva, e com ela o dever de custear alimentos à prole alheia.
No entanto, é preciso esclarecer que a paternidade socioafetiva não se forma sem o envolvimento e dedicação recíprocos necessários para a criação de um relacionamento afetivo entre pais e filhos socioafetivos.
Erra quem imagina que basta o relacionamento de união estável ou casamento com um parceiro que já possua filhos para a configuração da filiação por socioafetividade, uma vez que a formação de família socioafetiva possui parâmetros legais e sociais bem consolidados pela jurisprudência e pela doutrina do direito de família.
Muito similar ao que acontece na adoção, a paternidade por socioafetividade se configura quando o cuidador inserido na família como consorte ou parceiro de um dos genitores da criança assume responsabilidades importantes perante a criança, tais como zelo, moradia, sustento, educação, formação pessoal e criação, sem que existam laços sanguíneos ou biológicos entre eles.
Portanto, precede o reconhecimento da paternidade socioafetiva a ocorrência da vontade e do efetivo envolvimento do adulto na vida de uma criança. Em outras palavras, é dizer que o adulto se permitiu e quis viver aquela situação, vindo o reconhecimento da filiação socioafetiva como uma consequência de algo já vivenciado de fato.
Importante notar que no direito de família, a jurisprudência e a legislação sempre acompanham com algum atraso os avanços da sociedade. Com a filiação socioafetiva não foi diferente, uma vez que o direito apenas acompanhou uma construção social iniciada pelas famílias, e não pela Lei.
Primeiro vem o afeto, depois o reconhecimento. Como leciona Maria Berenice Dias, o afeto ultrapassa os limites genéticos e passa a existir a necessidade de reconhecimento dos direitos de filiação: “O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue. Assim, a posse de estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado”.
Desse modo, respaldado no artigo 1.593 do Código Civil, que dispõe que o parentesco pode ser natural ou civil, é possível o reconhecimento da filiação socioafetiva decorrente do mútuo afeto construído entre pais e filhos, em atenção aos princípios da afetividade, dignidade da pessoa humana, função social da família, concretizando a máxima de que “pai é quem cria”.
Apesar do reconhecimento pelo Código Civil em 2002 da possibilidade da filiação por origem civil, apenas em 2011 que surgiram os primeiros julgados no sentido de reconhecer e determinar o registro por essa modalidade, com base em interpretações decorrentes da doutrina contemporânea do direito de família.
O assunto desde então evoluiu, de forma a fixar parâmetros bem contundentes no sentido de que é necessário vínculo afetivo contínuo e duradouro, no qual pais e filhos constroem um relacionamento de mútuo auxílio, respeito e amparo, não sendo possível desfazer o vínculo de afeto que os une, como leciona Paulo Luiz Netto Lobo.
Desse vínculo, decorre não apenas o direito a alimentos, mas direitos tão, e até mais importantes, para o desenvolvimento da criança, como guarda, visitas e sucessão.
Portanto, o alarde negativo feito acerca da questão, comum das redes sociais, mas que merece reparação, não se atenta que, inicialmente, o envolvimento do adulto na vida da criança é opcional, enquanto o da criança, na maioria das vezes, ocorre em resposta ao acolhimento daquele adulto.
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