Juíza concede outro habeas corpus dispensando o ‘passaporte de vacinação’ - Rede Gazeta de Comunicação

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Juíza concede outro habeas corpus dispensando o ‘passaporte de vacinação’

GIRLENO ALENCAR

A juíza Rozana Silqueira da Paixão, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Montes Claros, concedeu um salvo conduto ao juiz Isaias Caldeira Veloso, de Montes Claros, para não apresentar o Passaporte de Vacinação quando for cobrado por autoridades públicas.        Na sua sentença, ela julgou o mérito do pedido movido pelo juiz, através do advogado Farley Soares Menezes. No dia 9 de dezembro de 2021 a liminar tinha sido concedida pelo juiz plantonista Marcos Antonio Ferreira, mas ela foi derrubada pelo TJMG.  Na semana passada a juíza Rozana Silqueira da Paixão já tinha concedido a mesma medida a Carlos Alberto Pereira de Avelar.

Porém, as duas decisões não têm qualquer validade prática, pois em que pesem as sentenças em habeas corpus proferidas pela magistrada, existe decisão proferida pelo primeiro vice-presidente do TJMG, Desembargador José Flávio de Almeida, através da qual foram suspensas as liminares anteriormente concedidas, bem como atribuído efeito expansivo para alcançar “quaisquer outras decisões liminares/antecipatórias ou meritórias de mesmo teor proferidas no âmbito do município”. Dessa forma, a expectativa natural é que o município de Montes Claros faça o requerimento à vice-presidência do TJMG, a fim de que os efeitos da suspensão também abrangessem as novas decisões.

SENTENÇA             

Em sua sentença, a juíza Rozana Silqueira da Paixão explica que “cumpre ressaltar inicialmente e não passa despercebida deste juízo a situação catastrófica decorrente da pandemia da COVID-19. No entanto, no caso específico, entendo que resta necessária a intervenção judicial para fins de concessão da ordem, senão vejamos: a questão trazida à análise é a possibilidade ou não de um decreto municipal impedir a circulação de pessoas pelas ruas e estabelecimentos sejam eles públicos e/ou privados”. Ela salienta que “a legislação municipal que autorizou a expedição dos referidos decretos, qual seja, a Lei Municipal n. 5.252/20, na qual dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do novo Coronavírus – SARS-COV-2; e dá outras providências e as referidas normas foram originadas e editadas, sem dúvida, com as intenções do gestor, no sentido de conter contágio dos munícipes, à luz dos ditames constitucionais, mas, infelizmente, não podem ser instrumento para remoção de direitos e garantias fundamentais do cidadão. Analisando a referida legislação municipal, verifica-se que nela há previsão de eventual obrigatoriedade de vacinação da população, dispositivo este que o Prefeito de Montes Claros utilizou para baixar os decretos acima expostos”.

“No entanto, os referidos decretos não visam a simples regulamentação da legislação municipal, pois editam normas que proíbem a circulação de pessoas em diversos locais. Pedindo vênia a posicionamentos contrários, no meu modesto entendimento, utilizar-se de legislação municipal para editar um decreto para suprimir a garantia fundamental do cidadão de ir e vir, afronta a hierarquia das normas do direito brasileiro. À toda evidência, não é possível ao gestor municipal utilizar-se de uma ferramenta (decreto municipal) para usurpar uma garantia constitucional, um direito que não pode ser retirado do cidadão sequer por Emenda Constitucional, o que dirá por Decreto, isso tudo se observada minimamente a pirâmide de hierarquia das normas, à luz da Constituição Federal”.

Como é sabido, o decreto não é lei e, em observância à hierarquia das normas, encontra-se abaixo desta, não podendo contrariá-la, tampouco restringir ou ampliar suas disposições. No esteio, referidas normas não podem prevalecer, porquanto o decreto não pode extrapolar seu poder meramente regulamentador, criando requisito não previsto na legislação pertinente, bem como usurpando garantia constitucional, sendo, portanto, inválido. “Com isso, repita-se, a possibilidade de utilização de instrumentos indiretos para compelir a população a aderir ao programa nacional de vacinação deflagrado em razão da crise sanitária decorrente da pandemia causada pela covid-19, afronta diretamente o artigo 5º, XV, da CRFB/88. De mais a mais, percebe-se que o tema a respeito da total imunização através das vacinas é por demais controverso, cumprindo mencionar que este debate também está sendo caloroso no meio científico. Isto porque não há unanimidade entre os pesquisadores acerca do tema de que a vacinação impede a propagação do vírus.

“No meu modesto entendimento, é temerário que as autoridades públicas assumam a responsabilidade de decidir que as pessoas vacinadas não transmitam o vírus, sem suporte técnico amplo e seguro para tal, isto porque não há garantias de que ao apresentarem o passaporte vacinal, por si só, o cidadão não estará doente e não transmitirá o vírus. O referido quadro que se apresenta é de segregação social, o que deve ser evitado em um Estado Democrático de Direito, especialmente na hipótese em que aumentam os casos, de forma considerável, segundo amplamente divulgado pela imprensa, de contaminação de cidadãos que foram vacinados, alguns até com a dose de reforço”.

“Diante disso, entendo que os Decretos Municipais em análise não podem ser ferramenta de controle social na medida em que o passaporte vacinal não cumpre o objetivo real de evitar a propagação da doença, motivo pelo qual não subsiste sua constitucionalidade. Além do mais, é necessário frisar, neste caso específico, que o paciente logrou êxito em comprovar que adquiriu a chamada imunidade natural, eis que contraiu o vírus, conforme relatórios e exames constantes dos autos. Neste ponto, salienta-se que o CDC (Centro de Controle de Doenças) dos EUA reconheceu a imunidade natural para COVID aos pacientes que contraíram o vírus. É notório que todos os cidadãos, que adquiriram a imunidade natural, do município de Montes Claros e não apresentarem o passaporte vacinal não podem frequentar livremente os estabelecimentos públicos e privados da referida urbe, ou seja, todos estão em situação análoga a do paciente; de modo que, com fulcro no §2º do artigo 654 do CPP, bem como por se vislumbrar a existência de diversos casos semelhantes, por equidade, outra saída não há senão a expansão dos efeitos desta decisão”.

Com relação ao pedido de concessão da ordem “em caráter coletivo”, para se determinar à autoridade coatora que garanta, no exercício do poder/dever que é lhe concedido pela Constituição e pela legislação de regência, a todos os não vacinados o direito de acesso gratuito, na rede municipal de atenção básica à saúde, ao teste laboratorial RT-PCR, bem como determinar que sejam definidos e divulgados os locais onde os munícipes poderão se submeter ao referido exame”, entendo, com a devida vênia, este pedido restou prejudicado considerando que nesta decisão foi concedida a expansão dos efeitos do HC.

Por fim, a juíza afirma que “resta deixar claro que a decisão proferida pelo ilustre Desembargador José Flávio de Almeida, com fundamento na súmula 626 do STF, em pedido de suspensão de liminar, com base na Lei 8437/92, determinando a prorrogação do efeito ativo até o trânsito em julgado da decisão de mérito do presente HC, ao meu sentir, constitui verdadeira supressão de instância, mas que não pode ser descumprida por este juízo. Por esta razão, os impetrantes deverão aguardar a decisão final do processo, ou a alteração da decisão do egrégio Tribunal de Justiça, o que evidentemente não os impede de requerer as medidas cabíveis, inclusive indenizações contra o Município por eventuais danos sofridos, em decorrência da restrição imposta pela autoridade coatora, advindos dos Decretos Municipais no. 4.325/2021, 4328 e 4.330/2021, na hipótese da presente sentença ser confirmada”.

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