Um governo infrutífero - Rede Gazeta de Comunicação

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Um governo infrutífero

Ubiratan Iorio

Doutor em economia

Decorridos exatos 18 meses desde que o “governo do amor” começou a atazanar a vida dos brasileiros, a impressão que se tem é a de que tudo na paisagem é assolação. Olha-se para cima, à frente, à direita e à esquerda; vira-se e espia-se para trás, piscam-se os olhos; e o que se vê é só devastação, escombros e destroços. É inútil procurar por alguma notícia boa, porque, simplesmente, não existem boas novas. Este governo, definitivamente, é infrutífero; é a própria figueira estéril. É inútil esperar que dê frutos. Sua mediocridade é tão impressionante que, às vezes, parece até proposital — e, segundo alguns, é mesmo um caso pensado de destruição. Prefiro, contudo, continuar acreditando que seja só incompetência.

Não se trata, absolutamente, de “torcer contra”. É que a economia e as demais atividades no campo da ação humana, para funcionarem bem, exigem respeito a certos princípios insubstituíveis, e este governo é um desastre, porque desacata e ofende todos eles. Na base de todo o retumbante fracasso que se constata diariamente, temos uma combinação fulminante, com pelo menos três elementos: a) a ausência de uma coordenação mínima, que alguns chamariam de programa de governo; b) a concepção inteiramente ultrapassada (até mesmo para os superados padrões “desenvolvimentistas”) da função do Estado na economia e na própria vida das pessoas; e c) o desgaste do partido do governo e do próprio presidente, uma corrosão que vem desde os tempos da Lava Jato e que nenhuma operação conduzida por amigos, “amigos de amigos” ou por quem quer que seja conseguiu e vai conseguir apagar.

Este governo, simplesmente, acabou antes mesmo de começar; gorou, não vingou. São tantos os erros saltando à vista que nem a velha imprensa aliciada consegue mais esconder. A coisa chegou a tal ponto que, quanto mais o jornalismo subserviente tenta, como sempre fez no passado, ocultar e negar fatos e apresentar narrativas para manipular as opiniões, mais fica visível o seu papel degradante e deprimente de porta-voz de um dos piores governos de toda a nossa história republicana — e não custa lembrar que, em termos de mediocridades, a República brasileira sempre foi pródiga. Aliás, alguns jornalistas já começam a reconhecer que não dá mais para continuar agindo como verdadeiros cães de guarda do governo e já ensaiam — embora visivelmente constrangidos e ainda com timidez — algumas críticas.

Não é necessário qualquer esforço para listar dezenas de “feitos” extraordinários do governo que veio para “salvar a nossa democracia” das garras da “ultradireita golpista”, colhidos aleatoriamente do noticiário. Vamos citar alguns.

Para começar, pela oitava semana consecutiva, o Boletim Focus desta semana prevê alta da inflação de preços para este ano, ao mesmo tempo que mantém estável a expectativa para a Selic (em 10,5%) e projeta arrefecimento no crescimento do PIB para este ano e o próximo. O real, que está completando 30 anos, foi a moeda que mais se desvalorizou entre as moedas dos países emergentes em 2024, perdendo até mesmo para o peso argentino, que, sob a liderança de Milei, já mostra o que todos deveriam saber — que a boa teoria econômica funciona. O ministro da Fazenda, entretanto, atribui a disparada do dólar a simples “ruídos” na comunicação do governo.

Não à toa, de acordo com a consultoria especializada Henley & Partners, cerca de 800 cidadãos brasileiros com patrimônio de pelo menos US$ 1 milhão — o equivalente a 1% do total dos milionários existentes no país — vão deixar o Brasil neste ano, o que nos coloca como o sexto país do mundo em êxodo de milionários, atrás apenas da China, Reino Unido, Índia, Coreia do Sul e Rússia.

O governo tem sido também um verdadeiro campeão na liberação de emendas parlamentares, uma idiossincrasia típica de nossas instituições, mas que, nos tempos de Bolsonaro — não custa lembrar —, eram vistas como crime de lesa-pátria. Por sua vez, os gastos sigilosos com cartões corporativos vêm batendo todos os recordes e refletem um esbanjamento desavergonhado, sem qualquer cerimônia ou pudor, do dinheiro dos pagadores de impostos.

E o que dizer do meio ambiente, esse fetiche do globalismo progressista? Pois então, o governo vem assistindo passivamente ao aumento descomunal nas queimadas, que no primeiro quadrimestre deste ano já cresceram 154% em relação ao mesmo período de 2023. O que vem acontecendo no Pantanal é um verdadeiro crime, mas os especialistas da imprensa amiga e do governo — a começar pela ministra especialista em regurgitar cachoeiras de palavras sem dizer coisa com coisa — teimam em pôr a culpa na natureza, um diagnóstico bastante estranho, tendo em vista que até 31 de dezembro de 2022 faziam um escarcéu contra o antigo governo sempre que alguém riscava um inocente fósforo na Amazônia para acender uma daquelas espirais para espantar mosquitos. Imaginem o barulho que teriam feito caso o governo anterior reduzisse a verba do Ibama para combate ao fogo. Pois o governo atual reduziu em 24%, com silêncio absoluto nas redações.

No que diz respeito às agressões aos direitos de propriedade, estamos assistindo a recordes em invasões de terras e em violência no campo, apesar das declarações do chefe do Executivo de que “há muito tempo” o MST não invade terras e de que é um grupo “altamente produtivo”, emendando com a afirmativa pueril de que quem toma a terra dos agricultores não é o MST, mas os bancos. Ora, haja paciência, em outubro de 2023, com apenas dez meses de seu governo, o número de invasões já tinha superado o ocorrido durante todo o mandato de Bolsonaro.

Outra patuscada inacreditável dessa gente é a decisão de importar arroz, comercializá-lo com rótulo do governo do amor e fixar o seu preço abaixo do preço do mercado. Para completar, a identificação de velhas irregularidades nos leilões, o que levou à sua anulação.

E, para encerrar, com relação ao trato com o chamado “dinheiro público”, o mínimo que se pode atribuir ao governo atende pelo nome de irresponsabilidade: as necessidades de financiamento do setor público (ou déficit nominal) já bateram em R$ 1 trilhão em 2024, um número compatível com o verificado durante a pandemia, só que agora não há nenhuma pandemia. A dívida bruta como proporção do PIB já está na casa dos 76,8%, o maior nível em dois anos. Pode não parecer muito, mas, se levarmos em conta que o prazo médio de pagamento dos títulos do governo é bem menor do que nos países que apresentam percentuais mais elevados, esse é um problema sério a ser enfrentado. O déficit primário do setor público consolidado ascendeu a R$ 63,9 bilhões em maio deste ano, o maior saldo negativo para o mês desde 2020 e R$ 13,7 bilhões (27,4% a mais) acima do resultado de maio de 2023.

Obviamente, não se escuta um pio dentro do governo no sentido de se adotar qualquer medida que venha a contribuir para o enxugamento do Estado. Pelo contrário, o que se vê são discursos no sentido contrário. O ministro da Fazenda só sabe falar em aumentar a arrecadação, em criar novos impostos, em tributar o que antes era isento e em pôr fim a desonerações fiscais. Todo o esforço que a equipe econômica anterior fez para descomplicar a vida dos brasileiros e abrir caminho para o empreendedorismo está sendo posto abaixo, para sustentar um modelo de Estado pesado demais, totalmente ultrapassado e absolutamente incompatível com as reais necessidades do país.

Diante de tanta inoperância e incompetência, parece perfeitamente cabível arguir: para que servem os quase 40 ministérios, a não ser para distribuir favores políticos e gastar os recursos dos pagadores de impostos?

Até aqui, fiquei no âmbito do Executivo e restrito ao plano da economia, mas acontece que uma sociedade não pode ser vista só com esse olho: é preciso enxergar os outros dois Poderes, a maneira como os três se relacionam e as instituições como um todo. Portanto, quando olhamos para o Brasil dos nossos dias, temos que levar em conta fatos que transcendem a economia, mas que a afetam negativamente. E o que encontramos?

Estamos vivendo há tempos um clima de insegurança jurídica inacreditável, em que o Poder Judiciário de mete sem qualquer constrangimento no Executivo e, principalmente, no Legislativo, com a alegação de que só faz isso porque é provocado, quando na verdade o que se vê é um ativismo jurídico totalmente inaceitável dentro de um verdadeiro Estado de Direito; a impressão que se tem é a de que existe uma Constituição especial a ser aplicada em cada caso e por cada um que deve guardá-la.

Em resumo, as instituições estão funcionando muito precariamente. É muito difícil compreender o som que a trombeta está emitindo, se é de ataque, defesa, retirada, rendição ou qualquer outra coisa. É óbvio que as atividades econômicas são as primeiras a serem afetadas por tamanha incerteza. Ora, assim como, se você estiver convencido de que vai chover, é prudente levar um guarda-chuva ao sair de casa, quando você percebe o tamanho das incertezas que esfumaçam o ar no Brasil, os riscos que a sua liberdade está enfrentando e a incompetência descomunal do governo em lidar com os princípios mais elementares da política econômica, não é preciso ser um bom economista para encolher-se e esperar passar o período de trevas. Esperar de uma figueira estéril que dê frutos, cá entre nós, é burrice.