JOSÉ FERNANDES FILHO
Desembargador
Estarrecido, o mundo assiste ao esquartejamento da Ucrânia. Frio, o criminoso de guerra ameaça apertar o botão, matando-se e exterminando milhões de indefesos seres humanos. Dramática, a conclusão: ele gosta de provocar sofrimento, quando e onde lhe aprouver. Julga-se maior, acima de todos, forte o bastante para não sofrer. Feliz e realizado, agrada-lhe ver a aflição alheia.
Seus fiéis “camaradas” armam o circo com a presença compulsória de milhares de pessoas. Babam e gozam; arrastam-se pelo chão; adulam e adoram. Exagero? Não, pura verdade, expressão aqui desperdiçada, mesmo usada para apontá-los como cultores da mentira.
Estranho e misterioso mundo em que vivemos, perplexos e apavorados diante do dantesco espetáculo de nojo, vergonha e revolta.
Pobres mortais, obrigados a conviver com cruel desumanidade.
Impenetrável, o chamado centro de decisões terá motivos para se calar e omitir? Capaz de conviver com o horror, em testemunho hermético, penoso, heroico?
Carentes de sentimentos, máquinas podem homogeneizar coisas desiguais. Simplória lembrança, o liquidificador é incapaz de rejeitar as diferentes frutas com as quais o empanturramos. Desligado, após a tudo triturar, apresentará um produto final singular, mistura de conteúdos diversos.
Não somos máquinas. Humanos, em nossos ombros carregaremos cruz de muitos braços. Ao caminhar, sangraremos. A cada queda nos levantaremos, nazarenos de hoje. A despeito de tudo, escancarada, com ares de deboche, a iniquidade prevalecerá?
De nada valeu carregar a cruz?
Ou, no silêncio de cada noite, ficou o gemido dos inconformados, sedentos de paz, aqui e na Ucrânia.
Enlouquecidos, talvez lhe cortem a cabeça; salgada, fixada em elevado mastro — para que todos a vejam —, será entregue às moscas?
Para surpresa daqueles que a violentaram, dia virá, do acerto de contas. O espírito de Minas, cada vez mais inquiridor, deles cobrará respeito e consideração. A exemplo da Inconfidência, a Ucrânia ressuscitará. Hoje cinzas, mutilação, esquartejamento; amanhã, luzes, sol e transparência, lição de dignidade, entranhada em seu caráter e dele inseparável.
O mal existe, sim. Eterno não é. Duradouro, talvez; para sempre, jamais. Guimarães Rosa já profetizara: fui fogo, depois de ser cinza (“Grande sertão: Veredas”). E, transpirando sensibilidade, Elizabeth Gontijo explode, em lição definitiva:
“Quantas,
quantas vezes,
o homem
é rebatizado
com o sal de sua lágrima
(‘A beleza dos restos’).”
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