Superendividamento: responsabilidade inversa para as empresas (PARTE 1) - Rede Gazeta de Comunicação
Superendividamento: responsabilidade inversa para as empresas (PARTE 1)

ANA CRISTINA FREIRE

Vice-presidente da Associação Brasileira de Mediação, Arbitragem e Conciliação (Abramac), advogada e administradora de empresas

MARIANA MENEZES CORDEIRO

Mediadora extrajudicial da Mediato Soluções de Conflitos Jurídicos, coordenadora da Mediato Educa e advogada especializada em Direito Civil e Direito Processual Civil

Com o objetivo de prevenir e dar tratamento a situações de superendividamento, recentemente foi publicada a Lei nº 14.181/2021, inserindo artigos no Código de Direito do Consumidor (CDC). O superendividamento é a “impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo sem comprometer seu mínimo existencial”.

Antes dela, tínhamos elencados no artigo 6º do CDC nove direitos básicos do consumidor. Com a sanção da referida lei, foram adicionados ao artigo 6º os incisos XI, XII e XIII, os quais trazem a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira, prevenção e tratamento de situações de superendividamento, a preservação do mínimo existencial e a informação acerca dos preços dos produtos por unidade de medida. Além disso, também foi adicionado um capítulo específico: o Capítulo VI-A, sobre a Prevenção e o Tratamento do Superendividamento.

A construção da lei foi baseada no modelo francês que trata sobre o tema, em detrimento do outro modelo existente, o americano. Esse último considera que se o fornecedor de produtos ou serviços contribuiu para o superendividamento do consumidor, a dívida será extinta, valorizando a reconquista do seu poder de compra.

A lógica do pensamento americano é que se o superendividado puder continuar comprando, todo o sistema econômico também ganha: as empresas são remuneradas, aumenta a quantidade de empregos e há o recolhimento dos impostos. No Brasil foi adotado o modelo francês: o consumidor arca com a sua dívida, porém, deve ser garantido o mínimo existencial.

Observando os dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que demonstram que o número de famílias endividadas o Brasil alcançou o patamar de 69,7% em junho – maior percentual desde 2010 -, percebeu-se a necessidade da adoção de institucionalizar pela lei o tratamento da situação do consumidor superendividado, afim de se buscar um maior equilíbrio na economia: se o consumidor está endividado, não conseguirá manter o seu poder de compra, as empresas também não lucram, aumenta o desemprego e não há queda substancial na arrecadação de impostos.

O princípio do mínimo existencial é um dos pontos mais relevantes da atualização do CDC, tanto que os incisos XI e XII do artigo 6º o define. Assim, no momento da repactuação, o mínimo existencial deve ser garantido para preservar a dignidade da pessoa humana, ou seja, o consumidor pagará a dívida, mas com direito a um mínimo de subsistência.

O que deve ficar claro para as empresas é que o objetivo não é proteger todos os tipos de consumidores. E sim, os que de boa-fé assumiram um compromisso sem a oportunidade de informação e sem o conhecimento de quão a sua renda será comprometida.

Por isso, é necessário diferenciar o superendividamento ativo do passivo.  O ativo é aquela pessoa que não consegue se controlar e realiza compras desordenadamente. Essa não terá a acolhida pelo CDC. Já o passivo é o consumidor que é levado ao endividamento pela ausência de informação, práticas educacionais ou pelas técnicas de marketing agressivas – a lei também passa a proibir qualquer tipo de assédio ou pressão para seduzir os consumidores.

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