A Origem
Se alguém dissesse, lá em 1871, que aquele pequeno casebre, que acolhia os mais necessitados, com todo amor e compaixão que as Irmãs poderiam oferecer naquela época, se tornaria o maior complexo hospitalar do Norte de Minas, era bem capaz que muitos duvidassem.
Quando Montes Claros ainda era uma jovem cidade de 14 anos, em 21 de setembro daquele ano, por meio da Lei n° 1776/1871, do Governo da Província de Minas, e por iniciativa do Dr. Carlos Versiani e do Cônego Antônio Gonçalves Chaves, institui-se a Irmandade Nossa Senhora das Mercês da Santa Casa de Montes Claros, acolhida canonicamente pela Igreja Católica em 19 de janeiro de 1878, por ato do Dom João Antônio dos Santos, Bispo de Diamantina.
Ali era o início da história da Santa Casa de Montes Claros, que passou a ser presente e atuante no processo de evolução da medicina, da filantropia e do desenvolvimento regional do Norte de Minas Gerais.
Irmã Beata
Não seria possível contar essa história sem falar da Irmã Beata. Ser humano imprescindível para a Santa Casa de Montes Claros, cuja trajetória de dedicação e amor ao próximo se integra à própria história da Instituição. Considerada por muitos como o símbolo de caridade da Santa Casa, Irmã Beata nasceu em Etten, na Holanda, em 29 de janeiro de 1879. Batizada como Wilhelmina Lauwen, ao assumir a vida religiosa, adotou o nome de Irmã Maria Beatriz, conhecida como Irmã Beata.
A freira ingressou na Congregação do Sagrado Coração de Maria de Berllar (Bélgica), no dia 14 de maio de 1903, aos 24 anos. Perpetuou sua profissão em 14 de julho de 1909 e, dois anos depois, veio para o Brasil, instalando-se em Montes Claros, onde permaneceu até a sua morte.
Devido ao seu trabalho, morou nas dependências da Santa Casa, juntamente com outras cinco irmãs. Sempre com o coração aberto e humilde, Irmã Beata ia até as casas das famílias pobres, quando solicitada para realizar partos. Sorridente e amável, falava pouco, num Português enrolado e difícil, porém compreensível.
Era uma figura diferente, firme e marcante, e costumava ter uma palavra de ânimo para as pessoas, dando assistência e carinho a todos, especialmente aos mais pobres. Foi incansável, fazendo partos no hospital e também nas casas. Chegava, perguntava os nomes das crianças, abençoava cada uma e ia fazer o seu serviço. Irmã Beata morreu dia 8 de agosto de 1952, aos 73 anos, depois de uma cirurgia de vesícula, em Belo Horizonte, momento em que deixou consternada toda a população de Montes Claros e região.
Irmã Veerle
Outra personagem importantíssima que marca a história do hospital é a Irmã Veerle, que dedicou 50 anos de sua vida à Santa Casa. Maria Juliana Wandekeybus, nome de batismo da freira belga que deixou sua família e seu país de origem para se dedicar ao trabalho missionário como enfermeira no Norte de Minas, chegando à Instituição já após a morte da Irmã Beata.
Para muitos, é impossível falar de Irmã Veerle sem se recordar dela caminhando pelos corredores da Santa Casa, principalmente na ala maternoinfantil e, especialmente, na pediatria – local pelo qual ela nutria profunda dedicação e zelo.
A trajetória da Irmã Veerle e das demais Irmãs se entrelaçam com a história dos médicos pioneiros da Santa Casa. Em uma entrevista concedida em 2017, ela contou como era a formação das novas enfermeiras e ajudantes da enfermaria, que se dava por meio do aprendizado passado no dia a dia. Cabia aos mais experientes ensinar aos recém-chegados o funcionamento do hospital, bem como os cuidados aos pacientes.
A Irmã Veerle, da Congregação das Irmãs do Sagrado Coração de Maria, considerada por muitos como a “mãe” da Santa Casa, faleceu aos 82 anos em 25 de maio de 2019. Sua presença nos corredores e enfermarias, nos quartos e na capela da Santa Casa, ficou eternizada na memória de quantos foram por ela carinhosamente atendidos.
Pilar da Saúde no Norte de Minas Gerais
A evolução
Graças ao trabalho das religiosas e dos primeiros médicos, a Santa Casa de Montes Claros continuou evoluindo. O árduo trabalho daqueles que foram os responsáveis pela fundação do hospital foi fundamental para que a Instituição se tornasse referência no atendimento de média e alta complexidade para a região.
Ainda no período da Irmã Beata, também trabalharam os primeiros médicos do hospital, como o benemérito médico e artista plástico Konstantin Christoff, que tem sua história entrelaçada com a medicina de Montes Claros. Cirurgião Geral e, depois, Cirurgião Plástico, Dr. Konstantin foi peça chave para o hospital. Além dele, na década de 1940, compunham o corpo clínico da Santa Casa os médicos Aroldo Tourinho, Jason Teixeira, Luiz Quintino, Luiz Pires, Geraldo Machado, Mário Ribeiro, Dr. Loyola, Àflio Mendes e Cristiano Borém. Konstantin não era brasileiro. Nasceu na Bulgária em 1923 e, ainda criança, chegou a Montes Claros acompanhado do pai, da mãe e de um irmão.
Outros dois grandes personagens que contribuíram para o desenvolvimento do hospital foram o casal de médicos Dr. José Rametta e Dra. Maria de Jesus. Era outubro de 1963 quando a ginecologista e obstetra Maria de Jesus chegou ao hospital. Ela, que trabalhou com o Dr. Aroldo, acabou ficando com a responsabilidade de cuidar da maternidade quando teve que substituí-lo em virtude de uma cirurgia que ele precisara se submeter, mas que infelizmente o levou a óbito.
Nessa época, a maternidade não era estruturada com plantões. As irmãs faziam os partos naturais e só chamavam os médicos quando havia alguma complicação. Em uma entrevista concedida em 2018 para a Revista Santa Casa Mais Saúde, ela contou que “tinha dia que íamos ao hospital até quatro vezes para realizar partos”. Neste mesmo período, Maria de Jesus conta que um colega vindo de Belo Horizonte a orientou a organizar os plantões. A partir disso, eles passaram a organizar a maternidade. Cada médico permanecia por doze horas no hospital e só saia quando o próximo chegasse.
Ladeada do marido, Dr. José Rametta, que faleceu em 30 de julho de 2020, aos 89 anos, juntos, foram ainda precursores do projeto piloto que deu início ao Sistema Único de Saúde (SUS) e do início da Faculdade de Medicina de Montes Claros com os médicos Mário Ribeiro, Hermes de Paula, Geraldo Machado, Antônio Augusto Tupinambá e outros.
Muitos foram e são os nomes que dão fôlego para a Santa Casa de Montes Claros manter sua chama sempre acesa. Um, entre as centenas de benfeitores, está Daniel Costa. Segundo o historiador Hermes Augusto de Paula, em seu livro “Montes Claros, sua história, sua gente, seus costumes”, Daniel Costa nasceu em Montes Claros, filho de Daniel Pereira da Costa e D. Carolina de Paula Souto, começou a trabalhar muito cedo no comércio local, sem deixar de lado as atividades como fazendeiro, conseguindo acumular vários bens ao longo dos anos, o que lhe rendeu um bom patrimônio.
Já casado com D. Ana Cândida Dias Pereira, Daniel Costa entrou também para a vida pública, tornando-se vereador e, mais tarde, delegado de polícia. Na sua convivência como homem público, Daniel Costa não pôde deixar de notar as dificuldades com as quais a Santa Casa convivia para continuar atendendo aos enfermos. Como não teve filhos, Daniel Costa decidiu então, em 1908, manifestar oficialmente o seu maior ato de solidariedade. Mostrando desprendimento em relação a bens materiais, registrou em testamento a doação de grande parte de seu patrimônio à Santa Casa.
A doação dos terrenos, ocupados pelo quarteirão onde é hoje a Santa Casa, permitiu a ampliação do hospital e, posteriormente, a construção da expansão do hospital. Daniel Costa faleceu aos 69 anos no dia 12 de março de 1915.
E a expansão da Santa Casa não parou por aí. Atualmente com grandes projetos, que focam na sustentabilidade e no acolhimento ainda mais humanizado, em 2018, durante o aniversário de 147 anos da Instituição, foram inauguradas estruturas modernas para diversos serviços do hospital. Além disso, a Santa Casa ganhou uma “roupagem nova” com uma fachada totalmente reformada.
Atualmente, no Brasil, as Santas Casas somam mais de 2.500 hospitais, espalhados em todo o território nacional, responsáveis por cerca de 50% do número de leitos hospitalares existentes no país, na maioria dos casos, consolidando-se como Centros Regionais de Referência e Excelência Médica. O estado de Minas Gerais possui mais de 250 instituições filantrópicas de saúde.
Entre elas está a Santa Casa de Montes Claros, que dedica cerca de 80% do seu atendimento aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). E, para continuar prestando os mais diversos tipos de atendimento, o hospital se prepara para os próximos 150 anos. O projeto mais arrojado e audacioso que se encontra em andamento é a construção de duas torres hospitalares, que serão batizadas como Edifícios Irmã Beata e Irmã Veerle.
O empreendimento, que está em fase de autorização por parte dos órgãos municipais competentes, deverá elevar o número de leitos da Santa Casa para cerca de 600. Hoje em dia, o hospital conta com 430 leitos.
Data de homenagens
Em 21 de setembro de 2021, a Santa Casa de Montes Claros comemorou 150 anos de fundação. Desde o seu primeiro dia de funcionamento, através da caridade das irmãs cristãs, do acolhimento e transformação através da contribuição de cada gestor que passam por sua trajetória, dos heróis da saúde que dedicaram e dedicam suas vidas e profissionalismo ao bem maior que é a vida; a Santa Casa, casa santa que renasce a cada nascimento, que se ressignifica a cada nova chance de suspiro de vida; continuará por longos e longos anos, com suas raízes em suas tradições e inovando em busca do que existe de melhor para os seus pacientes.
E para marcar essa nova fase de inovação e tradição, o marco de um novo tempo, com esperança de dias melhores, o arcebispo da Arquidiocese Metropolitana de Montes Claros, dom João Justino Medeiros, celebrou Missa em Ação de Graças na Catedral.
Um momento marcado pela presença e recordação de incontáveis nomes que fazem parte da história do hospital. Com direito a igreja toda decorada, os convidados receberam a imagem de Nossa Senhora das Mercês, padroeira da Santa Casa, com muita emoção e regozijo. Mais que uma missa, um verdadeiro ato de fé de todos ali envolvidos, pois cada rosto ali presente, cada colaborador, cada médico, cada profissional da saúde, cada um escolhido para representar toda uma trajetória de uma Instituição centenária tem sua parcela de contribuição, de diferença na vida de cada paciente que já passou por aquela casa santa.
E como falar de homenagem e contribuição sem citar o médico Francisco Honorato Sousa Lino, mais conhecido como Chico, profissional exemplar que estava pronto pra tudo que surgisse, a qualquer momento. Ele foi um dos heróis da saúde que esteve não deixou o hospital em um dos capítulos mais difíceis da história da Santa Casa: o enfrentamento da Covid-19. Nos “corredores” do PS [Pronto Socorro], sua dedicação ficou eternizada. Dr. Chico faleceu em 13 de agosto de 2020 por complicações da Covid-19.
Outra pessoa que vem marcando a história, junto com o time de diretores da Santa Casa e com o provedor José Gilson Caldeira e o superintendente Maurício Sério Sousa e Silva, é a Dra. Cláudia Diniz, mulher símbolo da sabedoria e garra incansável. A quinta filha caçula de uma união de amor entre a Sra. Maria Lavínha e o Sr. Sisinato, nasceu a Claudinha.
Cursou a faculdade de medicina, e então começou a sua missão de salvar vidas. Fez residência em clinica médica, especializou-se em controle de infecção, homeopatia, com gestão em MBA, mestrado e doutorado em Ciências da Saúde, iniciou a sua missão na Santa Casa no dia 1º de abril de 1993, ou seja, 28 anos e 6 meses de dedicação, fidelidade e amor ao serviço que presta à Instituição. O serviço realizado com tanto esforço e empenho tem grande reflexo na vida de todos os usuários e profissionais, visto que a Dra. Cláudia busca ofertar todo o seu conhecimento com o foco na melhoria contínua na busca de solução em prol ao atendimento de todos, reinando sempre com o senso de justiça e transparência.
A sua dedicação fez toda diferença durante a situação de pandemia. Dra. Cláudia liderou, de forma ímpar, os processos hospitalares com o foco de salvar o maior número possível de pessoas acometidas pela Covid-19.
A noite do dia 21 de setembro de 2021 também contou com uma carreata, na qual Nossa Senhora das Mercês desfilou por ruas de Montes Claros, sendo aplaudida e agraciada por inúmeras pessoas.
Com direito a um hino especial, composto para celebrar os 150 anos do hospital, a comemoração do aniversário também contou com apresentação musical da Banda de Música da Polícia Militar de Minas Gerias.
E foi assim, debaixo de um céu com poucas estrelas, mas com uma lua cheia graciosa, com buzinaço em carreata, com planos para o futuro, com olhares esperançosos, com a noite iluminada com fogos de artifício, com os olhos fixos nos balões azuis que ecoaram pelo céu de Montes Claros e com orações cheias de ternura e gratidão que foi marcada a celebração de 150 anos da Santa Casa.
“Todos nós fazemos parte da história da Santa Casa e, em algum momento da vida, ela estará em um capítulo das nossas vidas. Viva a Santa Casa. Lugar de passagem para todos nós e que continuará por aqui enquanto a eternidade durar”. (ANA PAULA PAIXÃO – Colaboradora)
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