Samuel Hanan
Engenheiro
A proximidade das eleições municipais é um momento propício para uma reflexão necessária dos brasileiros. Porque em todas as esferas – federal, estadual e municipal – o Brasil vive uma tradição muito nefasta dos candidatos: prometer muito e cumprir pouco.
Tomemos como exemplo as promessas e propostas dos candidatos à Presidência da República nas últimas eleições. Em geral, prometeu-se unir o povo brasileiro – portanto um governo de unidade nacional -, governar para todos, não aumentar impostos, reduzir as desigualdades regionais e sociais, melhorar a educação (pois sem ela não há salvação), e combater a corrupção. Chegou-se a falar que os corruptos seriam sumariamente afastados de seus cargos e seus malfeitos encaminhados ao Ministério Público e à Justiça. Prometeu-se, ainda, ampliar os programas sociais, especialmente o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continua (BCP), e respeitar as conquistas das aposentadorias e pensões.
Tudo soou maravilhoso, no entanto o que se vê na prática são comportamentos iguais, promessas iguais e com data de vencimento: a data da eleição. Nossos políticos levam ao pé da letra o que escreveu o austríaco Sigmund Freud (1856-1939), criador da psicanálise: “As massas nunca tiveram sede de verdade. Elas querem ilusões e não vivem sem elas”.
Fechadas as urnas, apurados os votos e empossados os eleitos, tudo muda. Não se vê nenhuma ação efetiva no sentido de unir a classe política e o povo brasileiro. Pelo contrário: a prática comum é eleger vilões, imputando a eles todas as dificuldades do governo. A “herança maldita” é a desculpa recorrente.
Quem está no cargo jamais admite qualquer parcela de responsabilidade pelo insucesso da gestão ou pelo não cumprimento do que foi distribuído por sua fábrica de ilusões. Não quer enxergar que não se une um país retirando os direitos de muitos para manter – e, se possível, ampliar – os privilégios de poucos.
O governo federal atual, por exemplo, escolheu como primeiro vilão o presidente do Banco Central – que possui autonomia – e os banqueiros controladores dos maiores conglomerados do sistema financeiro nacional, acusados de serem os grandes responsáveis pelas elevadíssimas taxas de juros, responsáveis por tirar do caixa do governo cerca de R$ 800 bilhões por ano. São apontados como inimigos do povo.
O governo também elegeu dentre os vilões preferidos os cidadãos ricos e super-ricos que não gostam e nem querem pagar tributos. São tratados como egoístas e insensíveis às necessidades da população, apesar de o governo ter aumentado tributos em mais de 50% nos últimos 35 anos, elevando a carga tributária de 22,3% para o patamar de 33,5% e 34,0% do Produto Interno Bruto (PIB), o que dá ao Brasil a 14ª posição dentre os maiores cobradores de impostos do mundo.
Porém não bastou. São igualmente vilanizados os empresários que vivem reclamando do governo, mas gozam dos benefícios fiscais concedidos pelo mesmo governo que criticam. São personalidades sempre muito ativas no Congresso Nacional e frequentadores de gabinetes de ministros, buscando por mais privilégios e reclamando novas renúncias fiscais – benefícios que retiram recursos do governo na ordem de 4,8% do PIB, o correspondente a R$ 550 bilhões por ano.
O Brasil precisa, urgentemente, aprender a desmitificar as mentiras propagadas amiúde pelos maus governantes. Não é real que o presidente do Banco Central, o Comitê de Política Econômica (Copom) e os grandes banqueiros são os responsáveis pelas elevadas taxas básicas de juros (Selic).
Essa situação é consequência da má gestão dos governos dos últimos 25 anos, que optaram pela farra de financiar o gigantismo do Estado nacional com privilégios insuportáveis, e com gastos superiores às receitas, gerando déficits nominais da ordem de 8,89% do PIB, ou R$ 967 bilhões/ano, conforme dados de 2023 do Banco Central do Brasil. Vale lembrar que um ano antes, em 2022, o déficit foi de R$ 480 bilhões. Ou seja, o governo atual dobrou o déficit nominal, revelando pouca preocupação com o tamanho do rombo e ignorando suas consequências. Nem é necessário ser um prêmio Nobel de Economia para saber que todo déficit precisa ser coberto por meio de refinanciamento junto ao sistema bancário e que a simples incorporação dos juros ao estoque da dívida implicará em mais dívida e mais juros a serem pagos.
Também fica claro que gigantesco déficit não foi originado do crescimento de investimentos públicos, tampouco em melhor remuneração dos professores, dos profissionais da saúde, e dos membros da segurança pública, merecedores de proventos mais dignos. A origem, sem dúvida, está na gastança com os privilégios dos donos do poder.
Há outro aspecto a ser considerado. Hoje a taxa básica de juros da Selic é de 10,50% ao ano (em reais). Já a taxa de juros preferenciais dos títulos do tesouro norte-americano está no patamar de 5,50% ao ano (em dólar).
A taxa de juros no Brasil também é agravada pela taxa do risco Brasil, estabelecida pelos credores e investidores internacionais. No caso brasileiro, essa taxa flutua entre 1,35 p.p. e 1,45 p.p.. E ainda existe um terceiro componente considerado na fixação da taxa de juros: a inflação interna, de 3,8% a 4,0% ao ano.
Fácil concluir, portanto, que não existe nenhum ato hostil, nem do Bacen, nem dos bancos. Existe, sim, um descontrole dos gastos do governo que tem superado em muito as receitas. Isso gera um aumento do endividamento, com a colaboração das expectativas futuras em relação ao país e ao cenário mundial, ambas avaliadas como não favoráveis.
Sobre o falso argumento de ricos e super-ricos não gostam e não querem pagar tributos, é necessário ponderação. É fato que esses não gostam, porém pagam tudo o que a legislação estabelece. Não há no Brasil desobediência fiscal.
Questão mais grave está nos governos que tributam muito e preferem cobrar mais do consumo e do emprego do que dos rendimentos do trabalho e do capital, bem como dos dividendos recebidos pelos investidores.
A reforma tributária, em fase de regulamentação no Congresso, apesar de aplaudida por muitos, repete parcialmente os mesmos vícios do passado. O tempo mostrará que teremos uma das duas maiores alíquotas do mundo em tributos sobre consumo – o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – que devem ficar na faixa de 26% a 28% do bem ou produto. Uma aberração para um país com população majoritariamente de baixa renda (60 % da população tem renda inferior a 1 salário mínimo).
Olhando para trás, vemos que, até a Constituição Federal de 1988, a carga tributária brasileira era da ordem de 22% a 23% do PIB, depois majorada para 27,28% em 2001 e hoje já próxima de 34% do PIB. Ou seja, em apenas 35 anos os tributos foram elevados em mais de 50%.
Conclui-se, portanto, que os verdadeiros culpados são os governos, porque cobram muito (34% do PIB) e cobram mal (tributos regressivos sobre consumo de 25% a 28% do valor do produto comercializado) e sobre o emprego, uma vez que o Brasil tem encargos previdenciários e trabalhistas entre os mais elevados do mundo. Cobram muito para manter privilégios absolutamente condenáveis e para assegurar o gigantismo da ineficiente máquina pública.
Sobre a terceira inverdade citada, vemos que empresários com presença atuante no Congresso Nacional e nos gabinetes dos Ministros de Estado – alguns até no gabinete do Palácio do Planalto – têm conseguido obter do governo central benefícios fiscais e renúncias fiscais (hoje chamados de gastos tributários da União) concedidos sem nenhuma correlação com a redução das desigualdades regionais e sociais, que é seu verdadeiro papel constitucional (arts 43 e 151 da CF/88).
Recentemente, o presidente da República disse em pronunciamento estar chocado com o tamanho da renúncia fiscal da União, cujo valor supera R$ 520 bilhões (em valores de 2023) e sufoca o caixa do governo. É, de fato, motivo de choque para qualquer gestor público que se preze. É inadmissível o governo federal renunciar a cerca de 4,80% do PIB, retirando, com isso, recursos que poderiam ser direcionados para a redução do déficit público anual e para a melhoria dos serviços públicos essenciais à população.
Esse erro não é novo, mas segue se agravando. Em 2002 (último ano de governo de FHC), a renúncia fiscal era de 1,47% do PIB. No ano seguinte, mais que dobrou, atingindo 3,60% em 2015, no final do governo Dilma Roussef, já chegava a 4,33% do PIB. Hoje, está perto de 4,80% do PIB. O governo federal tem, portanto, motivos de sobra para se espantar com esses números. No entanto, se fizesse o mea-culpa partidário concluiria que os governos Lula e Dilma muito contribuíram para a inadmissível ampliação das renúncias que, se cortadas pela metade, dariam ao governo uma folga superior a R$ 260 bilhões/ano.
Parte dessa renúncia, aliás, é ilegítima e contrária a comando constitucional estatuído nos artigos 3º, 43, 151 e 165 (parágrafos 6º e 7º). Isso porque de 60% a 65% do valor renunciado anualmente tem como favorecidos os contribuintes-empresários estabelecidos nas duas regiões mais desenvolvidas do país, contribuindo para aumentar o fosso existente entre as regiões Sul e Sudeste e as regiões Norte e Nordeste.
Isso também não tem contribuído em nada para melhorar a distribuição de renda no país, vez que o Coeficiente Gini em 2023 mostrou o Brasil ocupando apenas a 30ª colocação entre os 30 países com maior carga tributária no planeta, o lanterna.
Também não encontra respaldo na realidade o discurso de que o governo está melhorando a qualidade de vida e aumentando a renda das classes menos favorecidas, exceto, nesse caso, pela concessão de benefícios sociais de caráter efêmero. Da mesma forma, não se pode dizer que há atuação para a redução da disparidade absurda na renda dos cidadãos do Norte e Nordeste comparados com os brasileiros do Sul e Sudeste.
Diferentemente das promessas, até agora não se vê nenhuma ação governamental concreta na direção prometida. Assim, permanece a dura realidade da renda média dos trabalhadores das regiões Norte e Nordeste ser de 30% a 36% menor que a média nacional, segundo dados oficiais.
O Brasil continua sendo um país de cidadãos pobres. Mais de 60% das pessoas vivem com renda média mensal inferior a um salário-mínimo (R$ 1.412,00, brutos) e cerca de 92% a 94% dos brasileiros têm renda média mensal bruta inferior a três salários-mínimos, ou R$ 4.236,00.
Em outra questão nevrálgica a população, a violência urbana, os recursos financeiros e as ações anunciadas desde 2023 ainda não produziram resultado prático. Segundo estudo do IEP – Institute for Economic and Peace (em português, Instituto para Economia e Paz), mesmo não estando em guerra com outros países, é visto como uma das nações mais perigosas do mundo. Isso porque vivemos uma guerra civil, graças à criminalidade acentuada pelo tráfico de drogas e armas e por cerca de 70 organizações criminosas que o Estado não consegue combater.
O IEP analisou dados de 163 países e colocou o Brasil na indesejável posição nº 131 no ranking de segurança pública. Na América do Sul, somente Venezuela e Colômbia são vistos como menos seguros que o Brasil, recordista mundial em números absolutos de homicídios (dados de 2023).
Isso é um grande obstáculo para o desenvolvimento do país. Recente estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) revela que se a taxa nacional de homicídios convergisse para a média global, a economia brasileira poderia experimentar crescimento adicional de 0,6% do PIB, equivalente a R$70 bilhões.
O mito da competitividade alardeada pelo vice-presidente da República e Ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços ainda não se concretizou. Nada se verificou de ações eficazes em relação a programas de melhoria de competitividade nos setores produtivos nacionais.
Há cinco anos consecutivos o Brasil permanece entre os 10 países menos competitivos no ranking global. Matéria da revista Exame mostrou que, segundo o I.M.D. – Instituto for Management and Development (em português Instituto de Gestão e Desenvolvimento), sediado na Suíça, em 2024 o Brasil caiu duas posições em relação à colocação de 2023.
Nesse ranking, o país ocupa apenas a 62ª posição, seguido de Gana (65º), Argentina (66º) e Venezuela (67º). Definitivamente, não temos do que nos orgulhar.
As promessas de campanha vão se acumulando sem serem cumpridas. Enquanto isso, o Brasil vai somando derrotas mundiais em indicadores importantes. Apesar disso, é preciso ser otimista porque não faltam recursos financeiros e a honestidade ainda é o maior legado que um pai pode deixar para sua família e um governante, ao seu país. Foi o que ensinou o dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616): “Nenhuma herança é tão rica quanto a honestidade”.
Para transformar o país nossos governantes precisam, antes de tudo, mudar o comportamento. Os brasileiros terão um país muito melhor se os governos aprenderem a prometer pouco e cumprir muito. Que saudade de Juscelino que cumpriu mais de 82% do seu plano de metas.
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