Os bastidores do 6 de fevereiro de 1930 em Montes Claros: memória e história - Rede Gazeta de Comunicação

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Os bastidores do 6 de fevereiro de 1930 em Montes Claros: memória e história

MARIA DE FÁTIMA GOMES LIMA DO NASCIMENTO

Professora Doutorado Departamento de História da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes

“O dever da memória não se limita a agradar o rastro material, escrito ou outro, dos fatos acabados, mas entretém o sentimento de dever a outros (…) que não são mais, mas já foram. Pagar a dívida, (…) mas também submeter a herança a inventário”.

O testemunho nos leva, de um salto, das condições formais ao conteúdo das “coisas do passado” (…) das condições de possibilidades ao processo efetivo da produção historiográfica. Com o testemunho inaugura-se um processo epistemológico que parte da memória declarada, passa pelo arquivo e pelos documentos e termina na prova documental.

Começar uma análise do 6 de fevereiro de 1930 em Montes Claros – MG, observando o pensamento historiográfico de Paul Ricoeur, significa pensar a memória e a história, não só dentro das ciências humanas, mas também dentro de um recorte espacial e temporal e as implicações que decorrem do espaço no qual a memória e a história sempre são revisitadas, e, muitas vezes, ou melhor, quase sempre, pensadas de forma inquietante. Mas, o que é a memória e a história sem os problemas delas decorrentes? E mais, será que não são elas o motivo maior do processo de pagar uma dívida ou de buscar cada vez mais o arquivo e seus mistérios?

Particularmente, costumo dizer que ambas – memória e história – confundem-se e nos fazem inquisidores de nosso próprio passado. Por esses motivos, nem sempre recorrendo aos documentos e/ou analisando-os, dentro de um método e de uma teoria, pode-se afirmar que algo é memória e algo é história. Nesse sentido, falar do 06 de fevereiro de 1930 em Montes Claros é buscar esclarecer o que é memória e o que é história, distintamente. Em princípio, isso parece uma tarefa quase impossível, em função do sentido que alguns estudiosos dão a ambas, ou seja, para muitos, elas estão estritamente ligadas ao ponto de impossibilitar uma diferenciação.

Entretanto, gosto de pensá-las como algo que permite sempre a dúvida, a inquietude e o problema. Partir dessa premissa nos faz refletir, buscar conhecimento e revisitar os acontecimentos, dentre eles, o 6 de fevereiro de 1930.

Ao analisar os documentos e testemunho de nosso passado, acerca do 6 de fevereiro de 1930 em Montes Claros, percebo que é possível pensá-lo como um acontecimento político que usou a não representatividade feminina para atribuir a uma mulher a insensatez de uma barbárie política tramada nos bastidores dos grupos políticos existentes à época.

Para se compreender um pouco dessa análise, farei uso de dois significados básicos: memória e história. Memória, conforme Jacques Le Goff: “como propriedade de conservar certas informações remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas”.

Já a história, segundo ele, traz diversas significações, em função do que vem se apresentando ao longo da história humana. Dentre essas significações, com base nos estudos de Gordon Leff, Le Goff afirma que: “A significação em história tanto se faz tornando inteligível um conjunto de dados inicialmente separados como através da lógica interna de cada elemento (…)” e completa citando o autor: “A significação em história é essencialmente contextual”.

Considerando as significações de memória e de história de Jacques Le Goff, entendo que o dia 06 de fevereiro de 1930 vem apresentando significados distintos e possibilitando novas releituras àqueles que procuram entendê-lo em cada contexto histórico.