O remédio vai me fazer mal, Doutor? - Rede Gazeta de Comunicação

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O remédio vai me fazer mal, Doutor?

MARCO ANTONIO SPINELLI

Médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”

Muita gente pergunta em algum momento de sua consulta comigo se os Medicamentos usados para o tratamento terão efeitos deletérios a longo prazo. Não falta informação mal propagada na base dessa pergunta: nos Estados Unidos tem até uma Igreja, ou pseudo Igreja, que se dedica a combater e desacreditar a Psiquiatria, essa jovem dama da Medicina.

Os tratamentos são, como em toda a Ciência Médica, uma forma de devolver o equilíbrio a um sistema que se desequilibrou, e os medicamentos, quando bem empregados, ajudam muito na recuperação desse equilíbrio.

Eles resolvem todos os males do mundo? Não, claro que não. Mas estando nessa estrada há mais de trinta anos, pude ver os saltos de compreensão e de recursos que temos hoje para aliviar doenças que estão entre as mais sofridas para um ser humano.

O que os estudos mostram no decorrer desses anos é que o excesso de crises e surtos é que geram risco para o futuro dos corações e mentes das pessoas. Flávio Kapczinski, pesquisador de gabarito internacional da Doença Bipolar, descreveu o processo de Neuroprogressão. Depois de muito tempo trabalhando com pessoas que passavam por episódios de Depressão ou de Mania do Transtorno Bipolar, foi tomando corpo a constatação que os casos em que as crises aconteciam com mais frequência e gravidade tinham uma pior evolução no decorrer dos anos.

É como um computador que sofre ataque de vírus e perde conexões, ficando mais lento e dando pau de forma cada vez mais frequente. Quanto mais lesão e lixo nos sistemas, mais limitada fica a máquina. O que está sendo estudado é que a Neuroprogressão não está vinculada apenas à Doença Bipolar: a somatória de microagressões pode comprometer nossas redes neurais gradativamente. E isso é fácil de entender: quanto mais doença, pior para todos.

Nosso Cérebro é uma máquina maravilhosa e bastante resiliente às micro agressões que sofre todo dia: estressores psíquicos, biológicos e nutricionais, que podem deixar a máquina mais lentificada, ou com falhas de operação, piorando a Memória, a capacidade de Foco, a fluidez dos processamento e a precisão de cumprir seus objetivos. Ter crises depressivas, burnouts, insônia e processos inflamatórios vão deixando o funcionamento prejudicado. O contrário disso melhora e expande a capacidade de nossos neurônios: dormir bem, ter uma dieta com muitos componentes antinflamatórios, como vegetais, vitaminas e oligoelementos, fazer exercícios e equilibrar períodos de alta performance com boa capacidade de repouso, tudo isso deixa o organismo perto do bem estar e do alto desempenho.

É óbvio que nosso organismo é muito, muito mais do que uma máquina e essa alegoria é apenas um recurso para o entendimento de todos.

Numa Live recente, a entrevistadora deu um depoimento sobre sua reação a ter tido uma depressão: ela se perguntou – Mas eu tenho tudo, como isso aconteceu? Perguntei para ela se fosse uma crise de Asma, ela faria a mesma pergunta. As pessoas não passam por crises por fraqueza ou ingratidão, elas tem fragilidades genéticas e feridas de Alma que se manifestam como doença. Quando isso acontece, temos terapias e terapêuticas para buscar a recuperação. Os medicamentos são uma parte desses recursos, e eu dou graças por tê-los à mão. Mais ainda, dou graças por compreender melhor o que faz o “computador” dar pau.

Somos pessoas e organismos finitos. Podemos cuidar das pessoas cada vez melhor. Para isso, os medicamentos são um meio, não um fim.