MARIA REGINA PAIVA DUARTE
Presidente do Instituto Justiça Fiscal, integrante da Coordenação da Campanha Tributar os Super-Ricos
“O combate ao tráfico, às milícias ou facções são temas que uma operação isolada não resolve. Mas a melhoria da vida das pessoas com as ações do Estado poderia alterar muitas das condições geradoras de exclusão, miserabilidade e cooptação pelo crime. E isso é uma escolha que o Estado pode fazer.”
A perda de 28 vidas na favela do Jacarezinho é um desafio latente para pensar a que ponto chegaram as instituições públicas, tanto pela sua equivocada e desastrosa presença, quanto pela sua completa ausência e abandono das comunidades, resultando no horror vivido na Zona Norte do Rio de Janeiro e que impactou o mundo.
A operação marcou não apenas pelo número de mortos, mas pela violência, considerada a mais letal da história do Rio. Moradores denunciam execuções sem chance de defesa, invasão de residências, celulares confiscados, entre outras transgressões e atrocidades em nove horas de terror, que merecem rigorosa e independente apuração.
Não é possível que vivamos num país tão profundamente desigual e desumano, e que o Estado brasileiro esteja falhando em tantos sentidos, que atue nas favelas como agente repressor, autoritário, machista e violador. Que pessoas sejam executadas sem chance de se defender, em que o direito à vida seja um mero escrito em algum livro.
Representantes da Polícia Civil declararam que não houve erros ou excessos, que visavam garantir o direito de ir e vir, alegando que facções sequestram trens e aliciam crianças e jovens para o tráfico. Com isso, justificaram a ação perante o STF, que proibiu operações nas favelas durante a pandemia, exceto em casos excepcionais.
Entre os assassinados, quatro eram alvos de investigação e ao menos dois não possuíam antecedentes. Três dos presos tinham mandados de prisão e alguns apresentavam marcas físicas de violência e afirmaram ter sido obrigados a carregar os corpos da cena do crime. O relatório policial não informa sobre a perícia obrigatória no local para apurar as circunstâncias das mortes.
Não sou especialista em segurança pública, em políticas de combate ao tráfico, nem busco analisar o fato em si, mesmo que o entenda desastroso e que deixe marcas definitivas de terror. Ainda há muito a ser esclarecido e o episódio está sob a análise de entidades como a Defensoria Pública, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Anistia Internacional e Human Rights Watch Brasil.
Imagino o medo e o transtorno que passam milhares de pessoas que diariamente se perguntam: teremos tiroteio? Helicópteros atirando? Execuções? Meus filhos estarão vivos quando eu voltar do trabalho? Mesmo nunca tendo morado em favela, posso ser solidária com as pessoas que tiveram e têm suas vidas interrompidas, mesmo estando vivas. Sim, porque é difícil viver assim, sem o mínimo de condições materiais, psíquicas e emocionais. Sem saber se terá comida na mesa e, às vezes não há mesa, nem cama para dormir, nem teto para morar.
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