Gregório José
Jornalista/Radialista/Filósofo
Acontece de tudo nesse Brasilzão varonil, onde até o amor virou matéria de tribunal. Se antes a gente ouvia falar de “golpe do baú ” nas telenovelas, hoje temos o “golpe do Tinder ”. O coração, que já foi símbolo de paixão, agora é ícone de transações financeiras. É como se a vida amorosa tivesse migrado da seção de romances da livraria direto para o setor de economia.
A justiça estadual em São Paulo tem registrado um aumento no número de processos sobre o chamado “estelionato sentimental”. Nada mais é do que aquele velho truque de iludir o próximo com promessas de amor eterno, só que, em vez de flores e chocolates, o desfecho envolve boletos pagos e contas esvaziadas. Pior ainda, em alguns casos, a vítima nem conhece o galã ou a musa pessoalmente – tudo se passa no reino encantado das redes sociais.
Ano passado, foram 78 decisões judiciais tratando do tema, e só até junho deste ano já temos 51. É o amor e a dor em cifras, numa sociedade que aprendeu a gostar de quantificar até o que deveria ser gratuito: os sentimentos.
Sempre assim: o sedutor virtual diz que sua mãe adoeceu, precisa de dinheiro para uma cirurgia, ou que tem que limpar o nome antes do casamento. Às vezes, promete abrir um negócio com a vítima como sócia. Resultado? A conta bancária vai pro espaço, e a iludida fica com o coração partido e o bolso vazio.
O artigo 171 do Código Penal, que já não era lá muito romântico, passou a ter um papel fundamental nesses casos. As penas podem variar de 1 a 5 anos de reclusão, subindo um pouco mais se o golpe for arquitetado com informações fornecidas pela própria vítima ou através das redes sociais. Mas convenhamos, se o amor é cego, o que dizer da justiça, que ainda espera que o Senado vote o Projeto de Lei nº 6444, de 2019?
Enquanto isso, advogados no Brasil inteiro alertam que as vítimas muitas vezes sentem vergonha e demoram para agir. E quem poderia culpá-las? Afinal, admitir que se foi enganado em pleno século XXI, onde todo mundo parece saber tudo sobre todos, é quase um sacrilégio. Mas não dá pra ouvir recado de especialistas quando o coração está perdidamente apaixonado.
Mas a tragicomédia não para por aí. O Judiciário agora aplica o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Isso mesmo, meus caros, até o amor virtual tem que ser julgado com os devidos cuidados de gênero. São as mulheres que mais sofrem com esses golpes, perdendo não só dinheiro, mas também confiança.
O que temos é um país onde até o cupido precisa de advogado. Onde as flechas do amor vêm com código de barras e a conta do jantar romântico pode chegar com juros e correção monetária. Ah, Brasil, que saudade do tempo em que os problemas de amor se resolviam com serenatas e não com ações judiciais.
Quem sabe um dia aprendemos que o amor não se compra, se conquista. Até lá, melhor guardar o coração e a carteira em lugar seguro.
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