O abuso de álcool e outras drogas é um complexo e frequente problema de saúde, cujos efeitos vão além daquele que abusa dessas substâncias, alcançando o sistema de saúde, as famílias e a sociedade em geral, tanto que, no ano de 2012, o 2º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (II LENAD) apontou ser o álcool a droga que “contribui com cerca de 10% para a toda a carga de doença no Brasil” e aquela “que mais gera violência familiar e urbana”.
Esse mesmo levantamento apontou a maconha como a droga ilícita de maior consumo, tanto que 6,8% da população adulta e 4,3% da população adolescente declarou à época já ter feito uso dela ao menos uma vez na vida. Com relação à cocaína, outra droga ilícita de grande prevalência, o uso, ao menos uma vez na vida, foi apontado pelo II LENAD atingir 3,8% dos adultos e 2,3% dos adolescentes e, em relação ao crack, relatou-se o uso durante a vida por 1,3% dos adultos e 0,8% dos jovens.
Existem, também, as drogas produzidas em laboratório, que ganham espaço no mundo e chegaram ao Brasil, sendo uma dessas drogas o K2 ou K4, cuja notícia da sua primeira apreensão, em 2017, gerou preocupação aos gestores do sistema prisional paulista, especialmente porque o tamanho reduzidíssimo de cada dose dessa droga facilita sua entrada indevida nos estabelecimentos penais. Umberto Luiz Borges D’Urso, presidente do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo, apontou estar o K4 se difundindo “(…) no cenário nacional e, por conseguinte, no sistema prisional” e se tratar “(…) de uma espécie de maconha produzida em laboratório, 100 vezes mais forte que a comum”.
Como diversos outros problemas de saúde, o quadro de abuso ou de dependência ao álcool e outras drogas se instala independentemente da condição social ou econômica da pessoa envolvida com essas substâncias. Entretanto, do mesmo modo que ocorre com outras doenças, um passo essencial para seu enfrentamento é a própria pessoa que suporta essa situação aceitar ajuda, usando recursos e estratégias disponíveis para reduzir os impactos dos efeitos da substância sobre ela própria que, no caso do abuso e da dependência ao álcool e outras drogas, ganha dimensão ampliada porque o desequilíbrio resultado do abuso ou da dependência, por vezes, ultrapassa a esfera individual.
Observado esse cenário, justificável confrontar o assunto abuso de álcool e outras drogas ao tema relacionado às audiências de custódia, bastando lembrar os episódios da prática de crime patrimonial sem violência cometido por agente com inescondível finalidade de obter recursos para consumir drogas e, também, o comportamento descontrolado e violento caracterizador de certos crimes nos quais, por vezes, o infrator descreve o uso abusivo de alguma dessas substâncias como coadjuvante do desequilíbrio estimulador do delito.
Aqueles que atuam no campo da segurança pública ou lidam com a prática judiciária criminal não raramente recebem notícias de idosos que lhes pedem ajuda por sofrerem violência física, moral ou, ainda, ataque patrimonial indevido e repetido dentro de suas próprias casas, atribuindo a autoria dessas condutas a determinado familiar que abusa de álcool e outras drogas. Não foi sem razão que os artigos 43 a 45 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) autorizam, entre as medidas de proteção, sempre que houver ameaça ou violação aos direitos reconhecidos ou violados por abuso da família, incluir usuários ou dependentes de drogas lícitas ou ilícitas, que convivam com idosos e lhes causem perturbação, em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento.
Considerada a difusão do álcool e das drogas na sociedade, seu impacto na saúde individual e pública, sua propagação aos locais cujo acesso é vedado, como presídios, e, também, seu efeito negativo na harmonia das famílias, com destaque para aquelas cujos membros idosos, por vezes, são vítimas de crimes impulsionados por comportamentos descontrolados de familiar abusador dessas substâncias, é imaginável que os sistemas de segurança pública e de Justiça sejam pressionados por essa situação e, sem abrir mão de cumprir e aplicar a lei, podem ampliar o repertório e dar respostas coerentes aos infratores abusadores de álcool e outras drogas.
Tornando mais clara essa ideia, a crise gerada por alguém que abusa ou dependa de álcool e outras drogas se amplia quando essa pessoa é apontada como autora de infração penal e, em razão disso, acabe presa. Nesse caso, o agente da área da segurança pública, ao constatar determinada prática infracional, e, a partir dele, os profissionais do sistema de Justiça são impactados pelo abuso ou dependência do álcool e outras drogas até então geralmente restrito ao campo familiar.
MÁRIO SÉRGIO SOBRINHO
Procurador de Justiça do MP-SP e integrante do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD)
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