NAS ÁGUAS DO VELHO CHICO | Saiba onde fica o primeiro museu do Brasil dedicado ao pão de queijo - Rede Gazeta de Comunicação

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NAS ÁGUAS DO VELHO CHICO | Saiba onde fica o primeiro museu do Brasil dedicado ao pão de queijo

Iniciativa homenageia casal de uma tradicional família de quitandeiros da região, que vendia pão de queijo em barcos a vapor

Marca registrada de Minas Gerais, o pão de queijo ganhou fama Brasil afora pelo seu sabor. Em Januária, às margens do Rio São Francisco, no Norte de Minas, além de apreciar a iguaria mineiras, os visitantes podem voltar no tempo e conhecer mais sobre a tradição, ingredientes e objetos usados na produção artesanal da iguaria em tempos passados, desde os séculos 18 e 19 até os dias atuais. A cidade sedia o Museu Memorial do Pão de Queijo Geraldo Farias e Dália Farias. Trata-se do primeiro museu do país dedicado exclusivamente à memória do famoso produto mineiro.

Se existem diferenças entre as Minas das montanhas de ouro e diamantes e os Gerais do cerrado e das veredas, coube à gastronomia reunir mineiros e catrumanos em torno do pão de queijo, consumido e admirado em todas as regiões do estado. Agora, a história do produto é preservada e valorizada com o museu de Januária, que leva os nomes do casal (já falecido) Geraldo Alves de Farias e Dália Alexandrina Viana Farias, integrante de uma tradicional família de quitandeiros da região.

O espaço é coordenado por Silfarley Viana, o Sil Viana, neto do casal homenageado. A instituição é reconhecida pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e pelo Sistema Estadual de Museus de Minas Gerais (SEMMG), da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult) de Minas Gerais. As visitas ao espaço são gratuitas.

O Museu Memorial do Pão de Queijo foi inaugurado em 2013, com o apoio da Prefeitura Municipal de Januária, após aprovação de projeto pelo Conselho de Cultura e Patrimônio Histórico do município. A iniciativa foi do professor e servidor público Edilson Geraldo Viana, o Diu Farias (falecido em 2018), filho do casal Geraldo e Dália.

Inicialmente, a instituição foi instalada na Praça Santa Cruz, ponto histórico da cidade, na antiga casa de Geraldo e Dália Farias. No local, o casal mantinha a produção artesanal e vendia as quitandas (que tem origem na cultura negra), incluindo biscoitos feitos artesanalmente de polvilho (conhecido popularmente como “goma” de mandioca), com destaque para o pão de queijo.

Atualmente, o museu funciona em uma casa antiga, na Rua Geraldo Alves de Farias, nº 105, Centro, popularmente conhecida como “Rua de Baixo”, por ser o berço da cultura e da história da cidade, na mesma região da Praça Santa Cruz. Erguida no início do século 20, a construção tem a sua arquitetura original preservada.

O museu resgata a tradição da cultura da iguaria, mostrando a importância do ofício das quitandeiras, conhecidas por preparar o pão de queijo e outros tipos de biscoitos regionais como “peta”, “biscoito fofão, “brevidade”, além do bolo de puba.

O acervo conta com objetos usados ao longo do tempo na produção artesanal da receita, como colher de pau, pilão, pratos de madeira e o ralo (usado para ralar o queijo). Também guarda fotografias, documentos e uma coleção de arte popular que pertencia ao professor Diu Farias, idealizador da instituição.

Sil Viana lembra que os visitantes, ao conhecerem o museu, também podem experimentar o pão de queijo preparado no próprio local. Para isso, devem agendar as visitas com antecedência. No museu, também são organizadas oficinas culinárias, tendo como foco o preparo do famoso produto mineiro.

Venda de quitandas

Januária tem uma rica história. No distrito de Brejo do Amparo, está localizada a igreja de Nossa Senhora do Rosário. Construída pelos jesuítas e datada de 1688, ela é considerada a segunda igreja mais antiga de Minas – a primeira é a Matriz de Nossa Senhora da Conceição (edificada entre 1670 e 1673), em Matias Cardoso, também no Norte de Minas. A cidade também tem importância histórica na navegação fluvial, por estar localizada às margens do Rio São Francisco.

O administrador do Museu e Memorial do Pão de Queijo, Sil Viana, salienta que seus avós, que dão nome à instituição, tiveram uma relação direta com a navegação no Velho Chico. Segundo ele, Geraldo e Dália Farias vendiam pão de queijo e outras quitandas para os tripulantes e passageiros das antigas embarcações movidas a vapor (as “gaiolas”), que percorriam o trecho navegável do Rio São Francisco, entre Pirapora (MG) e Juazeiro (BA), e passavam por Januária. As mais famosas eram os vapores Benjamin Guimarães e Wenceslau Braz.

Sil Viana relata que o casal Geraldo e Dália Farias forneceu quitandas para os viajantes dos barcos a vapor entre as décadas de 1950 e 1970. As embarcações costumavam parar no antigo cais do porto de Januária, que ficava perto da Praça Santa Cruz, em um período em que o Velho Chico era bem mais volumoso e a água passava mais próximo ao centro histórico da cidade.

Desde o século 18

“O pão de queijo faz parte da cultura alimentar do mineiro, na qual está impregnado por conta da sua tradição e do seu paladar”. A afirmação é da chef de cozinha Bernadete Guimarães, de Montes Claros, no Norte de Minas, que presta consultoria para o Sebrae Minas na área gastronômica.

A chef de cozinha salienta que a produção da famosa iguaria surgiu em Minas Gerais no século 18, “pelas mãos das cozinheiras das fazendas que preparavam um biscoito de polvilho e que mais tarde descobriram que acrescentando o queijo traria mais sabor”.

Bernadete explica que foi também no século 18 que surgiu o termo “quitandeira” em Minas Gerais. “O termo quitandeira era utilizado para designar as negras vendeiras, também chamadas de negras de tabuleiro, que vendiam alimentos pelas ruas. Assim, em Minas Gerais, o termo ficou consagrado à elaboração caseira da pastelaria, associada ao lanche, à merenda e ao café”, diz, relembrando definição do ensaísta Eduardo Frieiro: “quitanda, não o esqueçamos, é a pastelaria caseira, o biscoito, a broa, a rosca, o sequilho, o bolo”. “Portanto, quitandeiras, na concepção atual, são mulheres que fazem e vendem quitandas artesanalmente”, explica.

Polvilho de qualidade

A chef afirma que o povo do Norte de Minas tem o costume de consumir o pão de queijo não somente no café da manhã, mas também como “merenda da tarde”. Salienta que a região se destaca na produção de um pão de queijo mais saboroso, pela boa qualidade do polvilho (goma de mandioca) e do queijo.

‘O Norte de Minas produz um queijo de qualidade, de cura mais rápida e mais sequinho, devido ao terroir do sertão, que é mais seco, com mais sol’ – Bernadete Guimarães, chef e consultora

‘O Norte de Minas produz um queijo de qualidade, de cura mais rápida e mais sequinho, devido ao terroir do sertão, que é mais seco, com mais sol’ – Bernadete Guimarães, chef e consultora

“O Norte de Minas produz um queijo de qualidade, de cura mais rápida e mais sequinho, devido ao terroir do sertão, que é mais seco, com mais sol. Isso resulta no sabor delicioso das nossas receitas de pão de queijo”, avalia.

A profissional da gastronomia lembra ainda que, hoje, existem diversas receitas de preparo do pão de queijo, com o uso de diferentes ingredientes, além da matéria-prima principal. “O pão de queijo tem variações nos preparos, desde o modo fazer aos ingredientes, como goma (polvilho azedo, polvilho doce), fécula, gorduras (manteiga, margarina, banha, óleo) e queijo (curado, muçarela, parmesão)”, descreve.

Bernadete assinala que também existem variações no modo de fazer a iguaria, como, por exemplo, o escaldamento (aquecer até ferver os líquidos) para desmanchar e umedecer o polvilho.

“A gourmetização chegou também à receita deste ilustre produto de Minas Gerais, servido com diversos recheios e acompanhamentos, desde a carne de sol desfiada, linguiça caipira, pão de queijo com queijo derretido, doce de leite, goiabada, cremes e os mais diversificados recheios. O pão de queijo se mantém presente a cada dia em nossas mesas”, conclui a chef de cozinha e consultora. (LUIZ RIBEIRO/ EM)