‘Não! Não Olhe!’ mistura o terror moderno e a vanguarda da ficção científica - Rede Gazeta de Comunicação

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‘Não! Não Olhe!’ mistura o terror moderno e a vanguarda da ficção científica

ERIC ALMEIDA

Crítico de cinema

O negócio da família Haymond, formada por um pai e seu casal de filhos, atua em uma área que pode passar despercebida, mas que foi fundamental na história de Hollywood, eles são domadores que preparam cavalos para os filmes. Imagina se todos aqueles cavalos que aparecem em faroestes não cooperassem com a dinâmica da cena, certamente seria um desastre, tanto que o primeiro “protótipo” de um filme cinematográfico (The Horse In Motion, de 1878) se tratava de uma simples imagem de um homem negro galopando um cavalo, homem esse que a personagem Emerald (Keke Palmer) diz ser um antepassado seu, o que pode ter sido apenas mais uma de suas tentativas de dar um boost no decadente negócio da família.

A mente por trás de ‘Não! Não Olhe!’ é o cineasta e humorista Jordan Peele, que com poucos anos de carreira já conseguiu ganhar um imenso prestígio na indústria por conta do sucesso de seus longas ‘Corra!’ (2017) e ‘Nós’ (2019), dois longas de terror que chamaram a atenção do público com um rico subtexto que explora discussões raciais sobre a história do povo negro nos Estados Unidos.

Durante a primeira metade do filme, essa assinatura de terror de Peele é o que domina, e dessa vez em sua forma misteriosa, pois no sítio dos Haywood, algo assombroso sobrevoa o lar de Emerald e seu irmão OJ (Daniel Kaluuya), talvez seja um OVNI, um avião, ou mesmo um fenômeno da natureza. O que quer que seja, a única certeza dos irmãos é que aquela coisa está desaparecendo com todos os cavalos. Vendo que o negócio da família está ameaçado, a decisão dos dois é tentar capturar imagens daquela ameaça que se esconde nas nuvens, com a esperança de que uma grande descoberta possa salvar a difícil situação financeira pela qual os personagens estão passando. Não demora para o ar de terror se misturar com a ficção científica, que como é de praxe do diretor, a cada descoberta vai se tornando mais e mais absurda.

Algo que me agrada muito no cinema de Jordan Peele é como ele geralmente divide seus filmes em blocos, onde cada um possui certo sentimento e uma própria linguagem. O diretor faz isso sem precisar apelar para reviravoltas maçantes para justificar essas mudanças na forma do filme, ao invés, ele o espaço e a progressão dos eventos para inverter o tom do filme de forma orgânica.

E esse mix de sentimentos acaba forçando uma direção bem mais sensorial, em seu momento mais terror, o filme assume planos escuros e claustrofóbicos em lugares fechados, onde os personagens tomados pela impotência são aterrorizados pelos sons macabros que vem da coisa. Porém, o grande mérito vem nos momentos em que não vemos ou ouvimos nada, o silêncio ensurdecedor é combinado com as pegadinhas da câmera que lentamente se move para um ponto específico para revelar que não há absolutamente nada escondido ali.

Peele vai matando esse mistério pouco o pouco, os estímulos sensoriais mudam completamente, agora a escuridão dá lugar às cores vibrantes em um típico pôr do sol californiano. Nesse bloco mais épico, o longa abraça de vez a influência de cineastas como Steven Spielberg, a câmera do diretor de fotografia van Hoytema assume escalas enormes e a trilha de Michael Abels traz um ar majestoso para um clímax que consegue te encanta e assusta ao mesmo tempo.

A estrutura de ‘Não! Não Olhe!’ chega a jogar ao telespectador alguns subtextos com potencial de gerar discussões sociais, mas Jordan Peele parece muito mais interessado em enriquecer a forma do que o conteúdo daquela história, com uma direção que irá provocar uma reação bem mais imediata no espectador.