Juíza proíbe cobrança de passaporte de vacinação em Montes Claros - Rede Gazeta de Comunicação
Juíza proíbe cobrança de passaporte de vacinação em Montes Claros

A juíza Rozana Silqueira da Paixão, da 1ª Vara da Fazenda Pública, proibiu a Prefeitura de Montes Claros de exigir o passaporte da vacinação, em decisão tomada no dia 24 de janeiro, quando analisou a ação movida por Carlos Alberto Pereira de Avelar, que entrou com habeas corpus. No dia 9 de dezembro do ano passado a 2ª Vara da Fazenda Publica tinha concedido liminar ao juiz Isaias Caldeira Veloso, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais derrubou a liminar. Nessa semana, o promotor Paulo Vinicius Cabrera já tinha emitido parecer para impedir a cobrança do passaporte. A Prefeitura de Montes Claros alega que essa nova decisão não surte o efeito, pois vale a decisão do TJMG que suspendeu todas liminares sobre o assunto. “O decreto quer controlar as pessoas e dizer, tiranicamente, quem anda e não anda pelas ruas da idade”.

A juíza afirma que “utilizar-se de legislação municipal e baixar um decreto para abstrair a garantia fundamental do cidadão de ir e vir afronta a hierarquia das normas do direito brasileiro. Percebe-se que o caso aqui apresentado é uma exceção, um momento raro, não podendo um gestor municipal utilizar-se de uma mera ferramenta (decreto municipal) para usurpar uma garantia constitucional, um direito que não pode ser retirado do cidadão sequer por Emenda Constitucional, que dirá por Decreto, e isso tudo se observada minimamente a pirâmide de hierarquia das normas. Como é sabido, o decreto não é lei e, em observância à hierarquia das normas, encontra-se abaixo desta, não podendo contrariá-la, tampouco restringir ou ampliar suas disposições”.

Na ação, Carlos Alberto Pereira alega que o prefeito Humberto Souto praticou ato ilegal e abusivo, capaz de restringir-lhe a liberdade de locomoção, ao editar o Decreto Municipal nº 4.325/2021, no qual consta a exigência de comprovação do esquema vacinal completo do Município, a vigorar a partir de10/12/2021, para fins de exigência de frequência, permanência, em locais públicos e privados, proibição de embarque e desembarque no aeroporto e na rodoviária da cidade, salvo para aqueles que apresentarem o referido “esquema vacinal completo”. Discorre acerca das ilegalidades e inconstitucionalidades que acometeriam o ato impugnado, pugnando pela concessão da ordem para garantir ao impetrante o “direito de ir, vir e permanecer em locais públicos ou privados, bem como possa ter acesso a serviços dessa mesma natureza, não sendo atingido pelas determinações constantes do respectivo Decreto n.4325”. O pedido liminar foi deferido.

A Prefeitura interpôs agravo de instrumento contra o referido Decreto 4.328/2021: amplia a “proibição para a entrada e permanência em academias de práticas esportivas, atividades físicas e centros de prática esportiva”; Decreto nº 4.330, de 06/12/2021, no qual amplia as vedações, passando a restringir a liberdade de entrada e frequência em instituições de ensino, agências bancárias, casas lotéricas e similares, bem como serviços de barbearia, salões de beleza ou similares e prédios públicos do Poder Executivo local. “Neste aspecto, importante destacar também a legislação municipal que autorizou a expedição dos referidos decretos, qual seja, a Lei Municipal n. 5.252/20, na qual dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus – SARS-COV-2 e dá outras providências, contudo, as referidas normativas não podem ser instrumentos para remoção de direitos e garantias constitucionais do cidadão. Analisando a referida legislação municipal há previsão de eventual obrigatoriedade de vacinação da população (artigo 3º), trecho este que o Prefeito de Montes Claros utilizou para baixar os decretos acima expostos. No entanto, os referidos decretos não regulamentam a legislação municipal, as normativas proíbem a circulação de pessoas em diversos locais”. (GA)


Análise da magistrada sobre legislação municipal da vacinação

“No esteio, referidas normas não podem prevalecer, porquanto o decreto não pode extrapolar seu poder meramente regulamentador, criando requisito não previsto na legislação pertinente, bem como usurpando garantia constitucional, sendo, portanto, inválido. Noutro giro, em que pese o Supremo Tribunal Federal ter inserido o direito à saúde no feixe de competência comum dos entes federados, que deve exercê-la nos limites de suas atribuições a nível nacional, regional e local, sempre tendo como norte a cooperação e articulação entre as esferas de governo, de modo a assegurar a eficácia dessas medidas, notadamente porque dizem respeito à saúde pública, no meu entendimento, a CRFB/88 não prevê a possibilidade do ente municipal legislar originalmente acerca do tema”

A magistrada lembra que o trecho da decisão liminar proferida pelo Dr. Marcos Antônio Ferreira, entendimento a que me filio: Nem o Supremo Tribunal, nem o ordenamento jurídico brasileiro permitem ao Município legislar originariamente sobre o tema, mas em caráter suplementar, desde que justificados por algum interesse local específico. E as medidas restritivas previstas na Lei Federal nº 13.979/2020 foram transcritas na Lei Local nº 5.252 de 19/03/2020, sendo certo que não houve na lei municipal nenhuma suplementação ou necessidade local que justificasse a suplementação da Lei Federal que regulamenta a matéria, a qual é taxativa ao determinar no parágrafo 1º do artigo 3º, que as medidas restritivas nela descritos somente podem ser determinadas “com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública”.

Com isso, a possibilidade de utilização de instrumentos indiretos para compelir a população a aderir ao programa nacional de vacinação deflagrado em razão da crise sanitária decorrente da pandemia causada pela covid-19, afronta diretamente o artigo 5º, XV, da CRFB/88. De mais a mais, percebe-se que o tema ora analisado é por demais controverso, cumprindo mencionar que este debate também está sendo caloroso no meio científico. Isto porque não há unanimidade entre os pesquisadores acerca do tema de que a vacinação impede a propagação do vírus. Neste sentido, destaco um trecho da entrevista do Dr. Roberto Zeballos, formado pela escola paulista de medicina, é clínico geral, imunologista e alergista, doutorado e mestrado pela Unifesp, atua na linha de frente da Covid-19, em entrevista ao Direto ao Ponto do canal JovemPan, sobre a obrigatoriedade do cartão vacinal:

O referido quadro que se apresenta, no meu modesto entendimento, é de segregação social, o que deve ser evitado em um Estado Democrático de Direito. O Decreto quer controlar as pessoas e dizer, tiranicamente, quem anda e não anda pelas ruas da idade. Diante disso, entendo que os Decretos Municipais em análise não podem ser ferramenta de controle social na medida em que o passaporte vacinal não cumpre o objetivo real de evitar a propagação da doença, motivo pelo qual não subsiste sua constitucionalidade. Relativamente a alegação da autoridade coatora no sentido de que o direito à saúde de todos deva sobrepor ao direito individual de ir e vir do impetrante, entendo que não lhe assiste razão. A ponderação não pode ser aplicada no presente caso por dois motivos, o primeiro, não há comprovação científica de que a pessoa vacinada não transmita o vírus, em segundo lugar, não há como dar regularidade na usurpação de uma garantia fundamental mediante a publicação de um decreto do ente municipal, ente federativo que não possui competência legislativa na seara da saúde. (GA)

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