João Valle Maurício, o semeador - Rede Gazeta de Comunicação

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João Valle Maurício, o semeador

PAULO CÉSAR GONÇALVES DE ALMEIDA

Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) de 2002 a 2010 e atual Presidente da Fundação Hospitalar de Montes Claros (Hospital Aroldo Tourinho)

João Valle Maurício tinha a verve poderosa, além de essência. Nasceu poeta e poesia. Viveu médico e pesquisador. Atravessou o século anterior de maneira professoral e executivo. Participou e foi personagem no tempo em que a universidade era embrionária em território agreste, às vezes corroído por descrenças, mas pertinaz como se exige do ser humano sertanejo.

Primeiro reitor da antiga Fundação Norte-Mineira de Ensino Superior, João Valle trabalhou com têmpera e temperança, desafiando cipós enroscados no cerrado e amarra-vaqueiro de grossa fibra, pronto para derrubar o cavaleiro. Nada disso o derrubou do cavalo, que se tornou forte para desaguar hoje Pégaso nas alturas, a Universidade Estadual de Montes Claros.

Tem muita história nessa saga de mil personagens e muita façanha. Cabe-lhe livro e meio cada pauta. Mas o que se precisa dizer é que João Valle Maurício foi construtor valioso para a educação e saúde em Montes Claros, no norte de Minas. Tanto que foi também secretário estadual de Saúde, foi pesquisador nas décadas de 1950 e 1960, ao lado de Simeão Ribeiro Pires, para conhecer a doença de Chagas, que matava como fome em tempo de seca, e buscar os mistérios das múmias de Itacambira e os segredos incrustados nas pedras de Grão-Mogol.

A família Maurício se assentou em Montes Claros ainda em 1860. O precursor, João Alves Maurício, saiu da antiga Paracatu e foi parar primeiro em Lambari, atual Juramento, para só depois chegar a Montes Claros rural. Aqui a família cresceu, com nomes de sabedoria comercial, tino empresarial e para a literatura.

João Valle Maurício casou-se com Milene Coutinho, filha de Afrânio de Souza Coutinho, assim fechando-se o cerco em torno da poética e da cantoria, seresta e educação.

João Valle Maurício tinha um discurso farto, longo e de conteúdo. Memória que concatenava ideias e contextos. Não se perdia nem caia na tentação da ostentação vazia, não errava a concordância. Gostava do uísque e das letras. Fez o Grotão, Taipoca e Rua do Vai Quem Quer, lá pelos anos de 1978. Tinha raiz na natureza e no bucólico, na roça e na manufatura. Num texto de Rua do Vai Quem Quer, como lembrou Hermes de Paula, ele mostra a história de “um seu João” e um cão. O personagem gosta de caçada e deu-se que o cão, chamado Martelo, morrera e não mais queria caçar, afirmando que não haveria animal igual para acompanhá-lo. “Cão de caça vem de raça.” E olhe que o cachorro fora encontrado na porta de um açougue do velho mercado.

João Valle Maurício é de um tempo que os homens eram forjados para a tenacidade. Cheios de propósitos não se furtava em participar da vida social e econômica, tinha presença e ascensão, construiu junto a história da cidade que ainda estava em construção. Além do consultório, em que auscultava corações enfermos, firmou-se como prócer na educação, na cultura e atuou na vida do norte de Minas. Sabe essa raça em extinção!? João Vale Maurício tinha outra característica de nobreza: era amigo. Cultivava amizade sem atropelos, gostava do que fazia e conduzia os passos conforme as notas que sabia tocar para não desafinar.

Sem nostalgia, porque isso pode doer, há saudade daquele tempo, daqueles personagens. De João Valle Maurício. Mas saudade é bom sentir, pois é uma lembrança que alegra.

Alegra rever a história de um dos maiores construtores da história do norte de Minas. Ponte e objetivo. Aí dá saudade de João Valle Maurício. Daquela essência. Poema e poesia. Educação e formação. Construtor que alicerçou projetos hoje sólidos; jogou sementes transformadas nas atuais árvores de bons frutos. Frutificou como é comum aos bons e nobres semeadores.

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