Escola “com muito partido” chega aos materiais didáticos - Rede Gazeta de Comunicação

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Escola “com muito partido” chega aos materiais didáticos

LARA MARIN

Mestre em Estudos Culturais, pesquisadora e autora de projetos e materiais didáticos

Estava demorando para que a agenda de costumes extremista do governo Bolsonaro atuasse diretamente nas políticas públicas relacionadas aos materiais didáticos, censurando alguns conteúdos e maquiando outros. Semana passada, mais um retrocesso: a nomeação, pelo Ministério da Educação, de Sandra Ramos, colaboradora do movimento Escola Sem Partido, ao cargo de coordenadora-geral de materiais didáticos.

Desde 2019, o governo Bolsonaro vem atuando para excluir, desses materiais e de exames nacionais, temas como a não violência contra a mulher, as culturas indígenas e africanas, as questões de gênero e os direitos humanos – assuntos tão necessários para o desenvolvimento de uma sociedade mais respeitosa, justa e plural. Ao contrário, pretende criar uma narrativa positiva sobre a Ditadura Militar e incluir a teoria criacionista como a única resposta à origem do mundo.

Não é de hoje que os materiais didáticos são alvos de um controle ideológico do governo. Ao longo do século 20, textos racistas, machistas e com moral religiosa eram regra nos livros didáticos usados por crianças nas escolas. Com o intuito de ensinar a língua portuguesa, esses textos acabavam moldando os comportamentos desejados para aquela época, privando as crianças de liberdade de pensamento e conhecimento sobre outras maneiras de ser.

Não há dúvida do quanto os conteúdos presentes nos materiais didáticos são poderosos, pois os livros chegam às mãos de estudantes, em todos os cantos do país, graças ao investimento do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) – que quase não teve aprovado o orçamento para a compra desses materiais. Justamente por terem esse poder de ampla distribuição, os livros didáticos deveriam ser tratados com grande seriedade no Ministério da Educação, que é responsável pelas definições pedagógicas desses materiais.

Nomear alguém que contribui para o movimento Escola Sem Partido vai na contramão dessa responsabilidade e significa retroceder ao século passado, assumindo uma educação ideológica e reacionária.

Você que está lendo este texto pode se perguntar: “mas se o movimento chama Escola Sem Partido, isso não é uma coisa boa, já que não queremos uma educação partidária, e sim plural e com conhecimento e liberdade?” Pois é, esse movimento foi perspicaz e perverso ao escolher um nome que confundiria nossas cabeças e nos cansaria em buscar argumentos para defender o básico – como tantas vezes fazemos neste governo.

Ao contrário da pluralidade de ideias e da busca por imparcialidade partidária, o movimento defende ideologias muito partidárias, como a submissão da mulher à sociedade machista, as concepções religiosas como única verdade e a moralidade evangélica como centro da educação dos costumes.

Em pouco tempo, provavelmente veremos essas ideologias traduzidas em textos e atividades pedagógicas nos livros didáticos distribuídos pelo país. Enquanto isso, o que nos resta é seguir de mãos dadas com professores engajados em não perpetuar essas ideias como verdades, lutando pela educação como prática de liberdade.