Para estudiosos da área, norma culta não deve ser esquecida, mas é preciso incorporar variedades linguísticas
A educação linguística deve ser ampla de forma a abordar não só a norma culta, mas também as variedades existentes, por exemplo, dialetos e outros registros. Essa opinião foi compartilhada por participantes da primeira parte do Debate Público Língua, Estado e Democracia, que abordou o tema Língua portuguesa, educação e poder: conflitos e preconceito.
Segundo o pesquisador do Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Luiz Carlos Travaglia, que tem pós-doutorado em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a língua portuguesa sempre foi objeto de ensino nas escolas, embora todos a tenham como língua materna e a usem no dia a dia.
Ele defendeu que a educação linguística deve ser entendida como o conjunto de atividades de ensino/aprendizagem, formais ou informais, que levam uma pessoa a conhecer e ser capaz de usar os recursos da sua língua para produzir textos a serem usados em situações de interação comunicativa e que produzam o sentido pretendido.
O pesquisador enfatizou que a norma culta continua levando o bastão da variedade a ser ensinada a todos por sua importância sociocultural e, portanto, dominá-la é condição fundamental para o acesso ao conhecimento.
Apesar disso, conforme colocou, a educação linguística deve alertar para a existência das variedades linguísticas como dialetos, registros e modalidades oral e escrita e o posicionamento das sociedades sobre elas, até para combater os preconceitos linguísticos que aparecem.
Ele enfatizou, em sua apresentação, que uma educação linguística de qualidade deve ser capaz de desenvolver a competência comunicativa. “A comunicação eficiente e competente, seja oral ou escrita, é uma condição para o entendimento entre os seres humanos e crucial para que estes vivam e convivam bem”, defendeu.
Luiz Travaglia acrescentou que alguém que não saiba, por exemplo, palavrões e gírias, que não fazem parte da norma culta, pode ter uma competência comunicativa incompleta.
Língua é instrumento de poder
De acordo com o pesquisador, quem adquire uma competência comunicativa mais ampla tem mais condição de produzir efeitos de sentido desejados ao produzir seus textos orais e escritos, bem como de compreender efeitos de sentidos dos textos que chegam até ele, adquirindo mobilidade dentro da sociedade em que está imerso.
Ele acrescentou: “A língua e seu domínio têm ligação direta com cidadania e, consequentemente, com poder e democracia”.
Luiz Travaglia defendeu que o Estado deveria proporcionar uma formação linguística adequada a todos, uma vez que a língua e seu uso são instrumentos de poder. “Isso não vem acontecendo na medida desejada”, comentou.
Norma culta, variedades e preconceito
Conforme discorreu, a valorização da norma culta levou ao preconceito com relação às demais variedades linguísticas. “Elas receberam o jargão de erradas, como se a variedade culta fosse a única forma correta, levando a uma faceta de não democracia linguística”, disse.
O pesquisador acrescentou que, diante desse contexto, tem se levantado a questão do preconceito linguístico que seria semelhante ao que acontece nos campos de sexo, gênero, etnia e religião, entre outros.
Luiz Travaglia comentou ainda que os professores estão sendo pressionados a pelo menos apresentarem, no ambiente escolar, a existência de outras variedades e a aconselhar a não tratarem com preconceito aquelas de menos prestígio.
“Mas a grande maioria dos professores não se sente seguro sobre como agir em relação a isso”, disse.
Estudos devem se basear em fatos
O professor titular no Departamento de Linguística da Unicamp e coordenador do Centro de Pesquisa Fórmulas e Estereótipos: Teoria e Análise (FesTA), Sírio Possenti, corroborou a fala de Luiz Travaglia.
Ele defendeu que os estudos da língua em escolas devem ser similares a estudos da área de ciências. “Devem se basear em fatos e não em utopias”, disse.
O professor explicou que os fatos mostram que todas as línguas variam e que fatores externos, como grau de escolaridade, ruralidade ou urbanidade e idade, condicionam essa variação.
Sírio Possenti ainda destacou que os fatos também mostram que todas as línguas mudam com o tempo, de modo quase imperceptível.
De acordo com o professor, é preciso dissolver as teses de que as pessoas falam de forma errada ou de qualquer jeito.
“As pessoas falam de forma diferente, sobretudo, nas roças e nas periferias. Quando se fala que isso é errado ou de qualquer jeito, a pessoa é desumanizada porque nossa característica é falar. As escolas e outras instâncias precisam trabalhar nisso”, afirmou.
A pesquisadora do Departamento de Linguagem e Tecnologia do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet/MG), Ana Elisa Ribeiro, destacou que o acesso à linguagem e à cultura não se dá de forma igual nos territórios.
Ela enfatizou ainda que a leitura e a escrita estão associadas ao uso de tecnologias e que, quando isso não é oferecido de modo adequado, as competências comunicativas são diminuídas e as pessoas são alijadas do processo.
Ana Elisa Ribeiro também relatou desafios de se ensinar redação no ensino médio, uma vez que os alunos têm a impressão de que escrever diz respeito apenas ao texto literário e culto, o que torna a escrita algo distante.
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