Nesse sábado (23), foi lembrado o Dia Nacional do Choro, primeiro estilo de música urbana do país, criado ainda no século 19. O choro, ou chorinho, como é conhecido, é marcado por músicos notórios na história do Brasil, como Chiquinha Gonzaga, Pixinguinha e Jacob do Bandolim.
Há intensos debates sobre a natureza e a origem do choro. Há debates se seria apenas um estilo de tocar ou um gênero musical próprio. Um dos autores de referência sobre o tema, Alexandre Pinto, escreveu no livro Choro – Reminiscências dos Chorões Antigos considerar o choro uma forma de tocar diferentes gêneros musicais, inclusive de outros países.
O cavaquinista brasiliense Márcio Marinho, que comanda rodas e grupos na capital, segue sentido semelhante, entendendo que a especificidade do choro é feita pela foram como os instrumentos se complementam. “Também é importante a tradição da roda, os músicos se encontrando, batendo um papo musical e, de forma descontraída – já que o choro permite o improviso. O choro se tornou uma linguagem”, analisa.
Já para Paula Valente, doutora pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo com tese sobre o tema, o chorinho começou como estilo de tocar nos anos 187, mas se consolidou como gênero no início do século 20. Foi nesse período que, segundo a pesquisadora, o choro teve definidas suas características próprias de melodias, harmonias e ritmos, assim como grupos de instrumentos e funções de cada um.
Na avaliação de Luiz Araújo Amorim, o Luizinho 7 Cordas, o que caracteriza o choro é o conhecimento dos músicos, a complexidade do gênero e a estrutura. “Cerca de 80% dos choros são formados por três partes de tons distintos. Na maioria dos demais estilos, só há uma parte”, compara.
Luizinho acrescenta que o choro é caracterizado por uma base de harmonia com dois violões, seis e sete cordas (baixaria) e um cavaquinho. Há ainda solistas, que podem utilizar instrumentos como bandolim, flauta, clarinete ou acordeom. A percussão é feita por pandeiro e, não obrigatoriamente, um surdo pequeno.
O músico, produtor e pesquisador carioca Henrique Cazes acredita que, nas últimas décadas, o choro saiu de guetos e ganhou popularidade, atraindo novas gerações de músicos e interessados. “Estamos diante de um momento muito rico. Os conhecimentos nunca circularam tanto e isso está gerando grandes resultados”, comenta.
O professor de música da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) Rodrigo Costa destaca a importância das escolas de choro, como a Escola Portátil, e da inserção do gênero nas instituições de ensino formais a partir dos anos 1990 e 2000. “Esse processo foi intensificado pelo surgimento dos cursos de música popular dentro dos departamentos de música em universidades, como na Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais], UFBA [Universidade Federal da Bahia] e da UFRB [Universidade Federal do Recôncavo da Bahia]”, diz.
Ele lembra, entretanto, que, no caso do choro, há um processo importante de aprendizagem também nos espaços informais, como a participação de músicos das rodas, dinâmica que, para o professor, coloca um desafio para o ensino do gênero.
Apesar de sua história e relevância, o choro enfrenta dificuldades pra se manter. Nas plataformas digitais, como Spotify e Deezer, o estilo não aparece entre as músicas mais ouvidas. Ele também não registra espaço na programação das rádios, em geral, tomadas pelo pop dos Estados Unidos, o sertanejo, o funk e o rap.
As exceções são emissoras públicas. Exemplo disso é o programa Roda de Choro, da Rádio MEC FM. A produtora do programa, Brisa Evangelista, conta que o esforço tem sido resgatar nomes históricos como Pixinguinha e Chiquinha Gonzaga, e também abrir espaço para os grupos que movimentam a cena atual, como Época de Ouro e Choro das 3.
“O programa prioriza a seleção musical e apresenta informações e curiosidades sobre os artistas e o gênero. E, sempre que possível, convidamos os próprios autores ou intérpretes para compartilhar suas histórias”, assinala a produtora.
Para Henrique Cazes, o desafio de conseguir mais adeptos é um problema educacional, não cultural. “Se tivermos uma distribuição melhor da educação e que ajude a diminuir as desigualdades, o choro vai ter mais oportunidades. Na medida em que as pessoas conhecem o choro, elas gostam e começam a consumir. Mas a gente só chega a um público restrito ainda”, observa.
Histórico
O Instituto Casa do Choro lançou uma espécie de linha do tempo virtual que conta a história do choro no Brasil. Na década de 1830, por exemplo, nasciam músicos importantes do gênero, como Henrique Alves de Mesquita e Tonico de Padre. Na década seguinte, Henrique de Mesquita tem suas primeiras aparições na imprensa. Nascia também a pianista Chiquinha Gonzaga que, em 1867, se separaria do primeiro marido após pedido para escolher entre ele e a música.
Nos anos 1860, nasciam os músicos e compositores Ernesto Nazareth e Anacleto de Medeiros. Nesta década e na seguinte, gêneros precursores como a polca, a valsa, o maxixe e o tango ganham gravações. Músicos considerados chave do choro, como Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth, gravam suas primeiras músicas nos anos 1870.
Nos anos 1980, surgem novos nomes, como o violonista João Pernambuco e Heitor Villa-Lobos. Na virada para o século 20, Chiquinha Gonzaga começa a se apresentar e lança clássicos, como Ó abre alas. Surge outro nome crucial do chorinho brasileiro: Pixinguinha, em 1897.
Segundo o projeto, o nome choro passou a ser empregado para se referir a grupos de músicos populares, com violão, cavaquinho e flauta, que animavam festas. As primeiras duas décadas do século 20 são marcadas pela checada do disco e das tecnologias de gravação, que permitem a reprodução também de músicos ligados ao choro.
É também nessa época que nomes como Ernesto Nazareth e Pixinguinha começam a se apresentar individualmente ou em grupos, como os Batutas do último. Grupos de choro surgem não só no Rio de Janeiro, como o Grupo de Caxangá, como em outras cidades, a exemplo do Terror dos Falcões, em Porto Alegre. Surgem outros nomes importantes, como Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo, Radamés Gnattali, Dilermando Reis e Canhoto.
Entre os anos 1920 e 1940, o choro se expande no Brasil, com turnês de músicos e de grupos. O gênero passa a ser conhecido internacionalmente, a exemplo da turnê do grupo Os Batutas em Buenos Aires e Paris em 1922. Nos anos 1930 e 1940, o choro e os músicos do gênero também ganham visibilidade juntamente à cantora Carmen Miranda em shows e em filmes.
Nos anos 1940 e 1950, multiplicam-se os discos de choro e a presença de grupos e orquestras em rádios. Em 1944, a Rádio Tupi do Rio contratou toda a orquestra Tabajara. Em 1947, a emissora estreia o programa O Pessoal da Velha Guarda, dedicado ao gênero. Em 1949, é gravado um dos grandes clássicos do gênero, Brasileirinho. Em 1951, outros dois clássicos são lançados: Doce de coco e Pedacinho do céu.
Em 1954, o choro adentra a tela da recém-chegada televisão ao Brasil, com o Festival da Velha Guarda na TV Record de São Paulo. Um ano depois, a emissora leva ao ar o programa Noite dos Choristas.
Nos anos 1960, Jacob do Bandolim grava seus principais discos, como Na Roda de Choro (1960), Chorinhos e Chorões (1961) e Retratos: Jacob e seu Bandolim, com Radamés Gnattali e Orquestra (1964). A presença do choro nas telas é ampliada com um documentário de Pierre Barouh Saravah, de 1969, que traz Pixinguinha, João da Baiana e Baden Powell.
Nos anos 1970 a 1990, grandes nomes do choro morrem, como Jacob do Bandolim (1969), Pixinguinha (1973), João da Baiana (1974), Donga (1974), Dilermando Reis (1977), Waldir Azevedo (1980) e Tia Amélia (1983).
Mas o gênero também ganha espaço com grupos e espaços específicos. Em 1975, é criado o Clube do Choro do Rio de Janeiro. Em 1977, a TV Bandeirantes promove o 1º Festival Nacional de Choro Brasileirinho. Em 1981, é realizado o 5º Concurso Conjuntos de Choro no Rio de Janeiro.
Novos músicos, como Raphael Rabello, lançam seus primeiros discos em 1983. São criadas a Orquestra de Cordas Brasileiras e a Orquestra Brasília, em 1987. Zé da Velha e Silvério Pontes também gravam seus primeiros discos em 1995, enquanto o Trio Madeira Brasil lança o seu em 1998.
No século 21, surgem as escolas de choro, com a pioneira de Brasília, em 2001, e a do Pará, em 2006. Em 2002, é fundado o Instituto Jacob do Bandolim. No Rio de Janeiro, é inaugurada, em 2015, a Casa do Choro. (Agência Brasil)
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