Descapitalizar bancos públicos é imobilizar o país(Parte 1) - Rede Gazeta de Comunicação

PUBLICIDADE

Descapitalizar bancos públicos é imobilizar o país(Parte 1)

SERGIO TAKEMOTO

Presidente da Federação Nacional da Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae)

O processo de abertura de capital da Caixa Seguridade — que atua no ramo de seguro habitacional, prestamista, vida e residência e é uma das principais subsidiárias da Caixa Econômica Federal — traz diferentes polêmicas. Em seu lastro, está a “devolução” para o Tesouro Nacional dos chamados “IHCD”: Instrumentos Híbridos de Capital e Dívida.

No contexto do IPO (Oferta Pública Inicial de ações, na sigla em inglês) nesta área de operações de seguros — que a Caixa qualifica como “parcerias estratégicas” — o banco público assinou cinco acordos entre 2020 e 2021, sendo três concluídos e implementados. Na captação recebida, estão valores que já têm destino certo: serão usados para cumprir um cronograma de devolução de IHCD ao Tesouro; são recursos que voltarão aos cofres do governo para o pagamento de juros da dívida pública.   

O Tribunal de Contas da União (TCU), que à época autorizou as operações, determinou, no último mês de janeiro, que a Caixa apresentasse um cronograma de devoluções de IHCD. De 2021 até 2031, um montante de R$ 35 bilhões deverá voltar ao Tesouro. Só este ano, serão R$ 7 bilhões retirados da Caixa. Em 2019, foram “devolvidos” R$ 11,35 bi. 

Quando considerados, além da Caixa, os outros bancos públicos — Banco do Brasil e BNDES — serão R$ 230 bilhões em devolução de IHCD destinados ao que o governo chama de “colchão da dívida”. Ou seja: declaradamente, o governo retira recursos que seriam investidos em políticas públicas (nas áreas de habitação, infraestrutura, saúde e saneamento, entre outras) e os transfere para os bancos privados, que são os principais detentores da própria dívida pública.

Para a Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), embora o governo não admita claramente que a privatização do banco está em curso, a venda de ativos ou IPOs de subsidiárias da Caixa já faziam parte desse plano estratégico, que, aos poucos, infelizmente, vai se concretizando.   

Do mesmo modo que ocorreu com a Caixa Seguridade, em vez dos valores serem usados como geradores de investimentos pelo banco público e aplicados no desenvolvimento nacional, o temor das entidades representantes dos empregados da Caixa é que outras subsidiárias também passem pelo processo e os valores sigam para o mesmo ralo da dívida. 

Ao se comprometer com essa política de ajuste fiscal para devolver recursos de operações realizadas junto ao Tesouro Nacional, a atual gestão da Caixa enfraquece o capital do banco público e joga uma pá de cal sobre os negócios de maiores rendimentos da instituição. A Caixa Econômica Federal deixa, portanto, de ser acionista controladora de suas subsidiárias. 

Conforme observa o economista e professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Fernando Nogueira, os IHCD são legais e autorizados por lei, por autoridade financeira. Não são “criatividade de governos petistas”. São instrumentos criados ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, quando Armínio Fraga era presidente do Banco Central.

Como bem lembra o professor, “a devolução é que é ilegal”, já que a operação é perpétua. Diz Nogueira: “É um equívoco ideológico causador de má política econômica e que traz um dano enorme para a sociedade brasileira”.