Figuras históricas e artistas são homenageadas em nomes de pratos e drinks da culinária regional
Várias culturas são construídas ao redor de uma mesa. A alimentação de um povo ajuda a definir sua identidade. Em pleno sertão norte-mineiro, no Centro Histórico de Montes Claros, foi inaugurado o gastrobar Sanchos. O nome é uma homenagem a Sancho Pança, o fiel escudeiro de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, e faz um flerte com o sobrenome da sócia proprietária, Sarah Sanches. Este estabelecimento convida os visitantes a revisitar o passado do sertão norte-mineiro, com a cultura regional representada nos pratos da casa, em uma constante homenagem ao seu povo.
“A ideia surgiu durante um período difícil, enquanto eu administrava meu outro bar, também no Corredor Cultural. Foi uma oportunidade que surgiu e que eu e meu sócio abraçamos. Foi uma aposta arriscada, mas necessária. Hoje, o espaço é um sucesso e um ponto de encontro para quem aprecia a nossa cultura norte-mineira”, destacou a empresária Sarah Sanches.
O empresário e sócio Augusto Guilherme Silveira Dias fala de sua infância e da inspiração para a criação do espaço: “Eu cresci em uma família que sempre deu valor à nossa cultura, e como empresário, percebi que existia um público saudosista e também um novo perfil surgindo que valoriza a nossa terra, nossos produtos e nossos costumes. Com isso, quis presentear a nossa cidade com um espaço que busca entregar essa experiência cultural que atenda várias gerações.”
Ele acrescenta que o espaço fica no coração da cidade, onde a maioria das histórias aconteciam. “Tudo foi preparado com carinho para homenagear acima de tudo Montes Claros e o norte de Minas, para o seu povo, que tem que ser reconhecido e valorizado pela sua cultura, diversidade, força e resistência. No início tivemos dificuldade com o atendimento, pois não esperávamos um movimento tão grande, mas hoje já nos adaptamos e somos capazes de atender diariamente com café colonial, almoço, e comida que valoriza nossos produtores locais.”
No cardápio, cada prato tem uma história. O “Dona Tiburtina”, por exemplo, é uma costela bovina (Short Ribs) que homenageia a moradora de Montes Claros associada à tentativa de assassinato do vice-presidente da República, Melo Viana.
Outros pratos resgatam a história dos cangaceiros, como o “Antônio Dó”, conhecido como o Lampião das Gerais, representado pela picanha suína, e o “Saluzinho”, que resistiu a um cerco militar, simbolizado pelo agridoce de abacaxi com queijo.
Falando em resistência, não poderia faltar a homenagem a Maria da Cruz, mulher forte do sertão que deu nome à cidade de Pedras de Maria da Cruz e resistiu contra a coroa portuguesa. Ela é representada pelo ceviche de banana-da-terra.
O restaurante também presta homenagem a figuras locais, como Durães, dono da tradicional cachaçaria do Durães, com bolinhos de arroz com pequi, uma homenagem que emocionou sua família. “Estive recentemente no espaço e me encantei. Papai, o eterno e velho Dura’s da baixada, sempre foi apaixonado pela cultura de Montes Claros. A alegria dele era a casa cheia, boas risadas, arroz com pequi e música ao vivo, a cara dele. Fiquei muito feliz em ver tudo como ele amava”, ressaltou Scheila Durães, filha do homenageado.
Outro lembrado é João Maia, dono da Churrascaria João Maia, famosa pela carne de sol serenada. Seus filhos são fornecedores do restaurante, garantindo a originalidade e qualidade da carne de sol, cuja produção depende da alta amplitude térmica da lagoinha, local de origem.
Armando Maia, filho de João Maia, falou sobre a homenagem ao pai. “Conheci a casa no início de 2023 e para mim, ficou impecável, com um bom gosto na decoração, harmonizando com a história e arquitetura dos casarões do Corredor Cultural.”
“Durante a visita, dei a permissão para lançar um prato que levaria o nome do meu pai, João Maia, e usaria a carne serenada que ele ‘criou’. Desde então, a Churrascaria João Maia fornece a carne serenada para o delicioso tira-gosto que leva o nome do meu pai. É muito importante e gratificante receber esse reconhecimento das pessoas que foram nossos pilares da cultura gastronômica”, completou Armando Maia.
Do porão de sua casa, ou de sua “Toca”, surge a homenagem a Georgino Junior, coautor da música “Montesclareou”, grande poeta e pintor, com um prato especial de filé mignon e suas obras expostas ornamentando o ambiente. Em vez do tradicional Romeu e Julieta, a sobremesa “Riobaldo e Diadorim” homenageia a obra “Grande Sertão: Veredas” com pastéis de queijo e goiabada, além de banana-da-terra.
O cantor e compositor Tino Gomes também é um dos homenageados e frequentador assíduo do local. “Minha gente catrumana desse norte de Minas. Sabe quando a gente quer sentar com amigos numa boa prosa, uma gastronomia maravilhosa e aquela cerveja gelada, num lugar super astral e lindo, e que tem um prato vegano que leva meu nome.”
As homenagens não param por aí. O sertão é lembrado com termos regionais, como Geraizeiro e Barranqueiro. O respeito à tradição é evidente: o peixe servido é o surubim do São Francisco, a cachaça é de Taiobeiras, e a comida de resistência utiliza ingredientes do cerrado. O espaço busca fornecedores locais que representem um passado complexo, homenageando o presente e em busca de um futuro promissor.
