Rafael Marinangelo
Doutor pela PUC/SP
Não são poucos os desafios a serem enfrentados pelo atual governo para estimular a economia, sobretudo no campo da infraestrutura. Atingido pela atual conjuntura econômica do país e pela Operação Lava-Jato, o mercado da construção precisa, mais do que nunca, de atores estrangeiros dispostos a investir seus recursos em obras essenciais à geração de empregos e à sobrevivência e competitividade econômica do Brasil.
Um dos caminhos possíveis é a adoção de mecanismos de contratação e de solução de disputas reconhecidos como eficazes e seguros pelos atores internacionais. Os padrões contratuais FIDIC, que já vêm sendo utilizados há pelo menos cinco anos em algumas obras nacionais, é um dos caminhos de incentivo à obtenção de recursos estrangeiros.
A Fédération Internationale des Ingénieurs-Conseils – FIDIC é uma federação internacional de engenheiros consultores que instituiu os padrões de condições contratuais e comerciais mais difundidos para serviços de construção, muito apreciados, em especial, por investidores internacionais. Atualmente, são largamente utilizados na Europa Oriental, Ocidental, China, África e alguns países da América do Sul. Censo realizado em 2010 indica que mais de 50% de toda a construção civil mundial submetia-se ao regime desses padrões contratuais, número este que tem crescido significativamente.
O Banco Mundial adota os FIDIC como requisito à concessão de empréstimos ou financiamentos de projetos construtivos. A Europa Oriental, após a queda do regime socialista, se desenvolveu à custa do uso intenso desses modelos contratuais, a fim de captar empréstimos dos mais variados agentes de fomento europeus. Dubai, igualmente, utilizou-se desses padrões para sua estruturação e a China tem utilizado os modelos FIDIC para regrar seus projetos construtivos em condições de eficiência e economia. Na América do Sul, o canal do Panamá e muitas outras obras realizadas no Peru, Bolívia e Chile também foram executadas sob a égide desses contratos.
O sucesso dos contratos FIDIC se deve às inúmeras vantagens que proporcionam, dentre as quais podemos destacar a segurança oferecida por condições contratuais e comerciais experimentadas e de comprovada eficácia, a padronização e a oferta de um conjunto completo de documentos necessários à realização bem sucedida de um empreendimento – porém flexível para amoldar-se à legislação do país em que o contrato terá aplicação – o controle rigoroso de evolução da obra e de pagamentos, a exigência de comportamento leal entre os contratantes e a necessidade de intensa troca de informações e correspondências, conferindo alto grau de transparência, dificilmente encontrado em contratos dessa natureza.
Caracterizados por constituir um conjunto de regras interdependentes, detalhadas e cuidadosamente estruturadas, destinadas a coordenar e organizar a relação dos players de projetos de engenharia, os padrões contratuais FIDIC compõem um contrato de distribuição justa e balanceada de riscos, direitos e obrigações entre contratante e contratado.
Esse equilíbrio é obtido mediante ordem de colaboração recíproca entre três figuras chaves do contrato: o Dono da Obra, o Empreiteiro (ou contratado) e o Gestor de Projeto (Engenheiro). Tal colaboração deve ser a tônica dos comportamentos dessas figuras na identificação, correção e avaliação de medidas mitigatórias de defeitos; na coordenação e controle do direito de extensão de prazo do Empreiteiro; na execução de ensaios de entrega da obra; na correção de defeitos; no recebimento dos trabalhos pelo Dono da Obra; nos procedimentos de entrega de documentos relativos à obra (desenhos, as-built etc.); no levantamento do preço contratual final e na expedição do certificado de pagamento final, pelo qual se encerram as obrigações contratuais. Os padrões contratuais FIDIC instauram, portanto, uma lógica contratual voltada especialmente para prestigiar o cumprimento ético do contrato no prazo, qualidade e preço convencionados.
Os desafios para o uso dos padrões contratuais FIDIC, entretanto, não são poucos e alguns deles merecem especial atenção. A esse respeito, convém advertir que os contratos FIDIC se alicerçam numa dinâmica que prestigia, sobretudo, a transparência e a franca comunicação entre os contratantes. Esta é uma prática ainda pouco utilizada pelo mercado nacional, muito arraigada a ideia de que a comunicação pode ferir suscetibilidades e prejudicar o bom relacionamento entre os contratantes. É preciso, portanto, um amadurecimento do mercado, a fim de compreender que negócios são conduzidos mediante debates, compreensão mútua e, sobretudo, profissionalismo.
Outra dificuldade na aplicação dos contratos FIDIC se encontra na pouca prática e estudo de sua correta interpretação e do uso de mecanismos que não têm origem no nosso modelo jurídico. Isso gera soluções incompatíveis com o espírito do contrato e que acabam inutilizando alguns instrumentos valiosos e de comprovada eficácia na execução contratual. Não é raro se deparar com soluções simplistas, sobretudo jurídicas, que denotam um profundo desconhecimento desses modelos contratuais.
Não obstante, superadas as dificuldades, não há dúvidas de que os modelos contratuais FIDIC constituem uma ferramenta importante para alçar o mercado brasileiro da construção às práticas internacionais de mercado e seu uso deve se intensificar para o bem da infraestrutura nacional.
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