Audiência discute falta de água para quilombolas - Rede Gazeta de Comunicação

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Audiência discute falta de água para quilombolas

A omissão do poder público em garantir o abastecimento de água ameaça inviabilizar e destruir comunidades quilombolas do Norte e Nordeste de Minas. Esse foi o cenário descrito por representantes dessas comunidades, durante audiência pública realizada na segunda-feira (18) pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Representando 32 comunidades da região de Virgem da Lapa (Jequitinhonha/Mucuri), Nataélio Lima relatou que a monocultura de eucalipto está secando as fontes de água locais. “As comunidades quilombolas vêm diminuindo ano após ano, em um êxodo rural causado, entre outras coisas, pela falta de captação de água. As pessoas vão para as cidades e vivem em condições sub-humanas. Muitos jovens vão para cortar cana e colher café em outras regiões. Nossas tradições estão morrendo”, lamentou.

A falta de regularização da terra pelo Estado complica ainda mais a situação. Em Virgem da Lapa, 21 comunidades disputam terras com uma empresa de produção de celulose, a Suzano. De acordo com João Márcio Simões, defensor público da União, Minas tem cerca de 1,2 mil comunidades quilombolas, mas quase nenhuma foi regularizada. Em muitas, o Estado titulou apenas um pequeno território, insuficiente para manter a comunidade. “Temos que condicionar os empreendimentos à regularização das comunidades. E temos que ter alguma coisa no orçamento para a regularização dos territórios”, cobrou.

Outro relato de carência de água veio de Maria Aparecida Silva, representante da comunidade quilombola Córrego do Rocha, em Chapada do Norte (Jequitinhonha/Mucuri). Ela disse que chegou a pensar em deixar a localidade, onde vive há 40 anos. “A comunidade existe há mais de 200 anos. Meu bisavô viveu lá”, relatou.

Até há pouco tempo, segundo ela, os moradores tinham que se organizar durante meses, fazendo abaixo-assinados, para conseguir um caminhão-pipa. Mais recentemente, a prefeitura vem atendendo com regularidade esta necessidade.

O chefe de gabinete da prefeitura de Chapada do Norte, Paulo de Figueiredo, reconheceu que as providências tomadas são apenas um paliativo, mas argumentou que o município não tem como fazer mais sem apoio do Estado e da União.

A presidente da Comissão de Direitos Humanos, a deputada Andréia de Jesus (Psol) afirmou que o comportamento do Estado com relação às comunidades quilombolas é uma escolha política, não algo decorrente de problemas técnicos ou orçamentários. “Deixar as comunidades sem acesso à água para que elas abandonem os territórios, isso é inadmissível. Isso não é migração, é uma expulsão”, afirmou.

Andréia de Jesus também criticou o governo por tentar a privatizar a Copasa e regionalizar a Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais (Arsae-MG). Para a deputada, a regionalização é uma forma do governo estadual passar para os municípios a atribuição de garantir o abastecimento de água e o saneamento. “Tudo que ele quer é terceirizar e privatizar”, condenou.

A defensora pública estadual Ana Cláudia Storch defendeu que, antes de qualquer privatização de serviços relacionados à água, é necessário estendê-los às comunidades mais pobres. “Privatização, antes da universalização, é penalizar ainda mais as comunidades tradicionais. Isso é um abuso do direito”, afirmou.

Pesquisador do Instituto René Rachou, da Fiocruz, Léo Heller frisou que o semiárido mineiro tem muitas entidades públicas atuando na região, sem uma ação efetiva. “É estarrecedor quando vemos a dependência de caminhões-pipa. Ter que buscar água de má qualidade em lagoas distantes. Vi situações parecidas com essa na África, e não em outros países que têm um nível de desenvolvimento comparável ao do Brasil. O que não é admissível é essa lacuna, essa omissão, essa invisibilidade do Estado nessas regiões”, lamentou.

Por sua vez, o diretor-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), Marcelo da Fonseca, informou que o órgão atuou para flexibilizar normas para construção e uso de pequenas barragens e poços tubulares no Norte e Nordeste de Minas. Ele acrescentou que o Estado está elaborando um Plano Mineiro de Segurança Hídrica e defendeu a divisão do território em blocos, tendo em vista as atividades de abastecimento de água, saneamento e drenagem. “Os blocos estão sendo pensados para ter viabilidade econômica”, disse. Já a superintendente estadual da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Edicleusa Moreira, afirmou que o órgão está aberto para receber representantes das comunidades quilombolas. (Portal ALMG)