Até hoje em Nova York - Rede Gazeta de Comunicação
Até hoje em Nova York

JOÃO LUCAS MACEDO

Eu nunca tive grande intimidade com meu pai. Não era coisa pessoal, ele era mais ou menos assim com todo mundo. Muito reservado por um lado, mas totalmente aberto a qualquer pedido de um amigo, parente ou conhecido. Seu telefone, número público em todo o Norte de Minas e principal ferramenta de trabalho, tocava 24 horas e 7 dias por semana. Motivo de queixa dos familiares mais próximos, isto era, porém, a natureza mesma da sua vida. Atender a qualquer um com aquilo de melhor que estivesse ao seu alcance. Digo isso sem qualquer exagero, pois ontem mesmo, durante o velório, cada um me contava um caso inédito de como ele abriu as portas quando tudo parecia impossível. Um ou dois telefonemas e o homem fazia mágica. Por isso mesmo foi muitas vezes chamado “O Bruxo da política”.

Naturalmente, aquela hospitalidade típica da família Macedo não lhe faltava. Seu apartamento na capital mineira era badalado e ponto de encontro de qualquer conhecido que estava de passagem na cidade. Familiares, conhecidos, amigos e políticos de toda nossa região tinham hospedagem segura naquele agradável espaço no bairro de Lourdes. Ali ele recebeu todos nós com fartura e costurou a amizade que tinha com toda essa gente. Como filho, sou testemunha e beneficiário dessa evidente generosidade que esteve permanente entre as conversas das pessoas que lhe visitavam pela última vez.

Não precisa acreditar nas minhas palavras. Vá a qualquer restaurante de Montes Claros e diga ao garçom que você é amigo de Fernando Macedo. Imediatamente será retribuído com um atendimento diferenciado, proporcional àquelas contas (de cair os olhos da cara) que ele fazia questão de pagar sozinho, fazendo a graça da turma, ainda deixando um troco bem gordo para quem o servia.

Pessoalmente, Fernando era mistura heterogênea. Explosivo nas atitudes, mas calmo ao ouvir. Desapegado a detalhes bobos, mas refinado ao selecionar roupas, vinhos e whisky. Dormia muito tarde e acordava muito cedo. Sabia evitar os conflitos, mas também comprou brigas homéricas. E disso tudo eu tirei muitos exemplos que levo para a vida. Muitos de como se fazer e outros de como não se fazer. Mas nosso dever é honrar somente aquilo que nossos pais deixaram de bom e largar as mágoas no passado.

Essa falta de aproximação não me deixava magoado. Era apenas o jeito dele na verdade. E eu ficava ainda mais tranquilo quando percebia o orgulho que ele tinha de todos nós. Falava dos filhos como se falasse de celebridades, e dos netos como heróis. Seus amigos me abordavam na rua como se já soubessem todos os detalhes da minha vida, pois meu pai estava sempre “rasgando uma ceda”.

Certa vez eu passava férias em Nova York e a gente mantinha contato permanente pelo celular. Tínhamos conversado há menos de uma hora e ele me ligou de novo com uma gargalhada:

– Até hoje em Nova York? Vai morar aí agora?… Olha, não se esqueça de trazer aquele perfume que eu te falei!

Rapidamente eu entendi que ele estava “contando vantagem” para algum amigo. Meu pai era muito vaidoso, mas sua vaidade maior era se orgulhar da família. São bobagens para quem vê de fora, mas têm um significado entre nós. E é assim que eu me lembro dele, é assim que ele gostaria de ser lembrado. É assim que ele se lembrava de min, eu tenho certeza.

Me perdoa pai, seu eu te magoei alguma vez. A vida tem dessas coisas, mas a gente vai aprendendo. Você abriu muitas portas para min e para cada um que que prestigiou sua última homenagem. Honraremos o seu legado, e as portas da eternidade se abrem para você.

Macedão, Bahia ou Tio Fernando, cada um terá uma forma carinhosa de lembrar dele, do jeitinho que ele gostava.

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