Junho é o Mês Mundial da Conscientização da Infertilidade, campanha que tem o objetivo de combater a desinformação e prover auxílio a pessoas nesta condição. Segundo um novo relatório publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 1 a cada 6 pessoas (17,5%) no mundo enfrentam dificuldades para engravidar. No Brasil, o número gira em torno de 9 milhões de pessoas.
De acordo com o ginecologista obstetra e especialista em Infertilidade e Ultrassom em Ginecologia e Obstetrícia, Carlos Moraes, a infertilidade é definida quando não há gravidez após 12 meses (ou mais) de relações sexuais regulares e sem preservativos.
“As causas são diversas e podem envolver problemas de saúde na mulher, no homem ou em ambos. Na mulher, algumas doenças podem provocar dificuldades para ovular, fertilizar e manter a gravidez, como Síndrome do Ovário Policístico (SOP), tumores hormonais, alterações nas tubas uterinas, endometriose, miomas e pólipos no útero”.
Segundo ele, a infertilidade também pode estar relacionada com a baixa qualidade e quantidade dos óvulos, devido ao adiamento da gestação, além de fatores externos, como sedentarismo, tabagismo, sobrepeso, consumo frequente de álcool, dieta inadequada, entre outros.
Entretanto, existe um fator influenciador que, embora seja preponderante, costuma ser esquecido ou subestimado, tanto no diagnóstico da infertilidade como no tratamento: o emocional da mulher.
Como a saúde mental pode afetar o sonho de ser mãe
De acordo com Carlos Moraes, que também é membro da Febrasgo, de 5 a 15% dos diagnósticos de infertilidade são denominados “infertilidade sem causa aparente” (ISCA), quando não há uma causa orgânica identificada.
“Por muito tempo, no universo da psicologia, alguns casos de infertilidade sem causa aparente foram associados a conflitos inconscientes sobre a gestação e maternidade, principalmente relacionados à figura materna e ao medo de reproduzir um modelo tido como ruim”, explica psicóloga e pós-graduada em Psicanálise e Saúde Mental, Monica Machado.
Segundo uma pesquisa do Instituto Valenciano de Infertilidade, na Espanha, cerca de 25 a 65% das mulheres com dificuldade para engravidar apresentam sintomas de ansiedade, estresse e até depressão. “Considerando a interação corpo-psiquismo, supõe-se que a infertilidade tem causa combinada, onde o psíquico influencia o lado biológico, enquanto o sofrimento físico afeta a mente”, completa Monica Machado.
Ansiedade x tratamentos para infertilidade
Em relação à Fertilização in vitro (FIV), que é um dos principais tratamentos para a infertilidade, a literatura revela que a ansiedade, e também a depressão, não estão relacionadas a resultados negativos no tratamento de FIV. No entanto, observou-se que as falhas de tratamento podem ocasionar ansiedade e depressão.
Carlos Moraes conta que diversos pesquisadores da área utilizam o ‘Inventário de Ansiedade Traço-Estado IDATE’ para avaliar como a ansiedade poderia influenciar o eixo hipotálamo-hipófise-ovário. As avaliações apontam que quanto maior o grau de ansiedade, avaliado por esse método, menor a chance de gravidez em mulheres submetidas a inseminação artificial.
“Entretanto, a influência dos estados psicológicos sobre a função reprodutiva apresenta um perfil multifatorial, sendo difícil determinar relações lineares de causa e efeito”. Além disso, segundo o ginecologista, essas alterações dependem da gravidade dos sintomas da mulher, sendo observadas respostas hormonais mais intensas quando há maior grau de transtornos emocionais.
“Vale lembrar que a psicoterapia deve ser orientada sempre. Tratar o emocional não só ajuda a enfrentar todo esse processo, como pode aumentar as perspectivas em relação à concepção”, finaliza a psicóloga Monica Machado.
Especialistas falam sobre a interferência emocional na gestação, na prática
Diversos estudos relatam que o estresse e a ansiedade podem alterar certas funções fisiológicas relacionadas à fertilidade, formando um ciclo vicioso que se retroalimenta, já que a infertilidade e os devidos tratamentos podem gerar prejuízos psicológicos.
Claudia Chang, pós-doutora em endocrinologia e metabologia pela USP e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), explica que o núcleo arqueado, localizado no hipotálamo, é o principal produtor do hormônio GnRH, essencial no funcionamento do eixo hipotálamo-hipófise-ovário, que induz a ovulação e, assim, o ciclo menstrual. O núcleo arqueado recebe vários circuitos neuronais do sistema límbico, responsável pelas emoções, que podem modificar a intensidade e a frequência dos pulsos de GnRH.
“A alteração desses pulsos leva a inibição do eixo hormonal que estimula o ovário, explicando as várias formas de alterações menstruais observadas em mulheres submetidas a fortes impactos emocionais. Dependendo da intensidade e duração desses estímulos, as mulheres podem, inclusive, desenvolver amenorreia ou anovulação, conclui Claudia Chang.
Um estudo americano realizado com mulheres que estavam começando a tentar engravidar utilizou os biomarcadores cortisol e alfa-amilase salivar como medida de estresse dessas mulheres, que foram acompanhadas por um período de 12 meses.
“O resultado revelou que mulheres que apresentaram níveis de estresse mais elevados (evidenciados através do exame de alfa-amilase salivar) acabaram reduzindo sua fecundidade em 29%, comparado ao grupo de mulheres com menor nível de estresse, além de apresentarem 2 vezes mais riscos de infertilidade”, revela o ginecologista obstetra Carlos Moraes.
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