Arrumação e romaria - Rede Gazeta de Comunicação

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Arrumação e romaria

CLÁUDIA ROCHA

Psicóloga

Muitos de nós um dia já peregrinou ou desejou peregrinar por lugares sagrados. A verdade é que estamos sempre em busca de cura ou da própria salvação. Estes lugares sagrados e distantes recebem romarias todos os dias. O itinerário é longo, mas a chegada é paradisíaca. Os santuários também são uma escolha individual. Cada um elege dentro de si o seu lugar de paz.

Enquanto arrumo alguns livros no móvel da sala, tenho a ideia de transcrever sobre a minha experiência de “Arrumação”. Cheguei a conclusão que a minha pequena coleção de livros, revistas antigas e recortes de jornais que comecei a juntar desde criança são a minha herança. Foi assim que percebi que colecionar obras nos envolve no “Círculo Mágico” de uma belíssima enciclopédia, cujo significado tem haver com o conjunto de conhecimento dos seres humanos.

Essas obras estão organizadas criteriosamente com o rigor científico. Organizar uma caixa ou uma prateleira de livros é análogo as nossas memórias. Cada qual em seu devido lugar de origem: as obras e os sentimentos se acomodam.

Ora, quem quer que se ponha a considerar ao contrário, ponha- se a considerar também que o “círculo mágico” que estou tentando delinear tem mais haver com a nossa capacidade de escolher os melhores caminhos para o autoconhecimento, cujos argumentos encontrei nas palavras, do que afirmar que si  ter uma biblioteca em casa faça de alguém uma pessoa  especial. Isto é: cada um cria o seu ritual para se aproximar do divino e descobrir no  “banalíssimo” ato de ler um significado.

Neste processo as palavras magicamente se transformarão em coisas que não se deve evitar. Lendo, descobrimos segredos…

De fato, enquanto organizo a minha seleção de títulos o pensamento não cessa e me remetem infinitamente nas questões pelas quais escolhi este ou aquele escritor. Os poetas são os meus preferidos e me arrisco a dizer que os poemas são a forma mais violenta de tocar a alma. Eles se apropriam de nossa dor e as fazem ficar bonitas.

Olhando pelo lado sublime de Rubem Alves, a psicanálise e a poesia são como as asas de um pássaro que voa livre na imensidão. Quando elas resolvem voar juntas, te levam a muitos lugares ou a lugar algum. Assim,  a compreensão da força que existe dentro de uma escrita é a mesma coisa que peregrinar por lugares Santos.

Esse caminhar não é somente seguir um itinerário. Este percurso investigativo poderá nos levar as margens perigosas. O certo é fazer a travessia deste imenso projeto existencial, que sai de uma ideia que transcende da alma e entra em choque com a realidade, deixando a entender que os ataques surpresas da vida, descontrola nossas emoções e tira a potência dos sonhos, nos levando a atualidade desencantada.

Desta experiência se abre uma lacuna que vai sendo preenchida a medida que nos implicamos a arrumar as coisas dentro e fora de nós. A vida acontece pela determinação de nossos propósitos, o que buscamos talvez seja descobrir qual é a nossa missão aqui. Realmente, é importante que cada um de nós busque se conectar com as coisas líricas e sagradas. Não importa qual a forma estética. O que vale a pena, mesmo que discretamente, é não deixar sucumbir a esperança. Caso contrário estamos condenados a sentenças lapidares dos muros surgidos pela fatídica solidão.