Dão Real Pereira dos Santos
Auditor fiscal
O desafio que se coloca para este ano é o de deslocar a tributação dos mais pobres para os mais ricos. Compreender a tributação como instrumento da luta de classes é o primeiro passo para essa construção.
Em 2024, a pauta tributária continuará em evidência. A PEC 45/2019, aprovada no final do ano passado, precisará ser regulamentada ao longo deste ano. Esta PEC estabeleceu um prazo de 90 dias para o governo encaminhar projeto de lei para reformar a tributação da renda e da folha de salários. Ou seja, o ano novo será marcado novamente pela pauta fiscal.
Nestas passagens de ano podemos desejar que não ocorram guerras, que cessem os genocídios, que não ocorram temporais ou tragédias, por exemplo. Mas muitas outras coisas dependem de ações individuais ou coletivas que podem estar ao alcance das nossas ações. A política fiscal é um bom exemplo. Os resultados são sempre afetados pela ação deliberada de grupos de interesse e pela inação dos que se omitem.
Basta ver o aconteceu em 2023 em relação à reforma tributária, que hegemonizou os debates políticos pela ação contundente dos setores empresariais, cada um com seu interesse específico, mas todos para reduzir seus custos administrativos e tributários e limitar a capacidade do Estado de utilizar a tributação como instrumento de intervenção na economia.
Não basta desejar que a continuidade da reforma tributária seja mais justa e progressiva do que foi até o final de 2023. Não basta esperar que neste ano o país tribute os mais ricos e desonere os mais pobres de forma efetiva. O que precisamos é construir as condições para que esse resultado aconteça e assumir a função de construtores deste futuro. Temos tarefas muito importantes pela frente.
A reforma da tributação do consumo, que onera naturalmente muito mais os mais pobres do que os mais ricos, aprovada em 2023 pela PEC 45/2019, teve um protagonismo muito importante e decisivo dos setores mais ricos da sociedade.
Esses setores monopolizam os debates tributários desde o início da década de 1990 e a tributação vêm se convertendo num instrumento de concentração de renda e de riquezas, gerando desigualdades e dificultando o crescimento econômico e a geração de empregos.
Desde a promulgação da Constituição Federal, há 35 anos, o sistema tributário é controlado exclusivamente pelos setores inconformados com construção de um Estado de bem-estar social. Isso explica, em parte, por que ainda temos um sistema tributário regressivo, que onera muito mais os mais pobres do que os mais ricos e desonera acintosamente as grandes rendas do capital e as grandes riquezas, contrariando os princípios e a lógica da Constituição Federal.
Para mudar essa realidade, é preciso acabar com o monopólio desse debate e permitir que esse tema seja apropriado pelos setores populares e empobrecidos e pelos trabalhadores.
Só assim, seremos capazes de tributar os super-ricos, de forma efetiva, e criar as condições para construirmos uma sociedade justa livre e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades e promover o desenvolvimento nacional, tal como explicitaram os constituintes em 1988.
O desafio que se coloca para este ano é o de deslocar a tributação dos mais pobres para os mais ricos. Compreender a tributação como instrumento da luta de classes é o primeiro passo para essa construção.
Mas isso só será possível com a ação organizada e a pressão dos setores mais pobres e dos trabalhadores.
Vamos simplesmente esperar que aconteça? O futuro não está pronto e deve ser construído a partir das ações que cada um de nós. O ano será determinado pelos que compreendem seu papel como agentes da história, que planejam, organizam e executam ações para produzir o resultado desejado.
Ao invés de simplesmente desejar e esperar, precisamos esperançar, no conceito utilizado por Paulo Freire para essa palavra. Significa se levantar, ir atrás, construir, não desistir, seguir adiante, juntar-se com outros para fazer de outro modo.
Sejamos esses agentes e façamos nós a construção das condições objetivas necessárias para modificar a correlação de forças na sociedade, capaz de superar os obstáculos à desejada implementação de um sistema tributário efetivamente progressivo e promover justiça fiscal e social.
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