Um dos assuntos mais importantes, delicados e polêmicos do paradesporto é a classificação. Trata-se do processo que determina a classe do atleta na modalidade que pratica, conforme o tipo e (ou) grau da deficiência, para que as disputas transcorram da forma mais justa possível. A entrada do jovem, ou mesmo do adulto, no movimento paralímpico e a perspectiva de uma carreira profissional dependem de uma categorização correta.
Na semana passada, o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) lançou o primeiro Código Nacional de Classificação Esportiva Paralímpica. O material se baseia nas regras e políticas estabelecidas pelo Comitê Paralímpico Internacional (IPC, sigla em inglês). A ideia é que o documento norteie esse processo em competições organizadas ou chanceladas pelo CPB ou de associações e confederações paradesportivas do país.
“[O código] tem dois grandes objetivos. O primeiro é traduzir o código internacional, levar essa informação a todos os envolvidos no esporte paralímpico. A gente sempre sentiu [que havia] essa barreira da língua inglesa, que o pessoal não conseguia se aprofundar. O segundo é trazer algumas situações específicas para a realidade nacional”, disse o coordenador de Classificação do CPB, João Paulo Casteleti, à Agência Brasil.
“Em 2019, tivemos uma mudança no livro de regras da natação e os atletas tiveram de ser reclassificados internacionalmente. Mas temos, em nível nacional, um universo que não vai às competições internacionais, então não podíamos fazer o ajuste das classificações. Esses atletas acabavam competindo em uma regra desatualizada. A gente podia ter, por exemplo, uma piora no quadro clínico do atleta, que o impedia de atingir índices ou marcas para ser convocado, sem conseguir ajustar a classe dele. Agora, conseguimos fazer esse ajuste, em nível nacional, até que ele alcance resultados e possa ter uma classificação internacional”, completou.
O movimento paralímpico contempla modalidades cujos atletas têm comprometimentos visuais, intelectuais ou físico-motores. Esta última categoria engloba, segundo o Código Nacional, deficiências causadas por danos ao sistema nervoso, amputações, má formações, déficit de força muscular e de amplitude de movimento, baixa estatura e diferença de comprimento dos membros.
Os atletas são submetidos a avaliações clínicas, técnicas e de desempenho nos eventos – no caso dos visuais há somente avaliação clínica. Os status de classe são: confirmado, nova (se ainda não houve classificação), revisão (ou seja, terá de ser classificado novamente antes do próximo torneio ou em data pré-estabelecida pela banca de classificadores) ou observação em competição (na qual o esportista alocado em determinada categoria é analisado para saber se a performance é condizente com a verificação anterior).
Conforme o código publicado pelo CPB, atletas com status nova ou nacionalmente em revisão poderão ser classificados durante eventos regionais ou nacionais. Em casos excepcionais, há possibilidade de aqueles em revisão internacional serem convidados a participar do processo, para orientação sobre a próxima classificação a que serão submetidos fora do país.
As modalidades, porém, nem sempre têm o mesmo sistema de classificação. No atletismo, por exemplo, os atletas competem contra adversários com patologias iguais ou parecidas. Ou seja: velocistas com amputação em uma perna e aqueles com deficiência nos dois membros inferiores são alocados em categorias diferentes. Na natação, por sua vez, a distribuição pelas 14 classes (três visuais, uma intelectual e dez físico-motoras) se baseia no grau de comprometimento.
“O sistema do atletismo é de perfil de classe. O da natação é de pontuação. Independente do tipo de deficiência, você subtrai as pontuações relacionadas a cada movimento articular. Por isso, acaba tendo diferentes tipos de deficiência [em uma mesma classe]. Uma opinião minha é que a natação evoluiu muito tecnicamente e o número de classes, hoje, não é suficiente para se manter uma equidade aproximada durante a competição”, analisou Casteleti.
Um dos grandes desafios (quiçá, o maior) do processo é que ele seja o mais objetivo possível – o que não é fácil, considerando que as análises técnicas e durante competição, invariavelmente, podem ser influenciadas pela perspectiva do avaliador. Para minimizar a subjetividade, os classificadores não trabalham sozinhos nas bancas, mas em dupla ou trio, tendo ainda um chefe de classificação, que pode ser acionado se não houver consenso.
“A gente utiliza os números como forma de subsidiar [a análise], mas [a classificação] não é uma área exata. Ela está sujeita, sim, a equívocos. Costumo dizer que os classificadores estão ali para ajudar. Se não houvesse a classificação, com certeza a competição seria muito mais injusta. Lógico, existem sistemas que podem ser ajustados. O esporte paralímpico é muito recente”, destacou o coordenador do CPB, antes de exemplificar.
“Até 2008, competiam, na mesma classe [do atletismo], atletas com comprometimento nos membros inferiores usuários ou não de prótese. Mesmo atletas com sequela congênita, tornozelo bloqueado ou déficit de força, ganhavam dos usuários de prótese, porque elas não eram específicas para corrida, não havia essa tecnologia. Com a evolução da prótese, nem atletas olímpicos querem competir com os paralímpicos de prótese. Isso foi sendo ajustado e criadas mais classes. Por isso, o código internacional traz, de uns tempos para cá, que a grande proposta é de uma classificação baseada em evidências científicas para justificar aquelas regras. A gente sabe que é um trabalho a longo prazo”, concluiu Casteleti.
Padronizar a classificação nacional ao que prega o código do IPC é fundamental para se minimizar, o quanto antes, eventuais distorções de classe que podem comprometer a carreira dos atletas paralímpicos. Significa, também, possibilitar uma adaptação mais imediata a mudanças que venham a ser adotadas no livro de regras internacional e aprimorar o planejamento de esportistas, treinadores e dirigentes brasileiros. (Agência Brasil)
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