MARCO ANTONIO SPINELLI
Médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo
Os Jogos Olímpicos de 2012 foram realizados em Londres. Uma das modalidades mais disputadas nos ingressos é o Atletismo. A prova dos dez mil metros costuma ser dominados pelos inevitáveis etíopes ou quenianos. Um atleta inglês, magro e alto, mas não tão magro quanto os africanos, entrou na prova sem nenhum favoritismo. O favorito era um corredor da Etiópia. O nome desse corredor era Mo Farah. Era o décimo primeiro no ranking. A prova começou, e Mo Farah ficou correndo nos nove primeiros quilômetros lá no fundão, sem deixar os africanos da frente desgarrar na frente. Quando faltava apenas um quilômetro para chegar, Mo Farah disparou e emparelhou com o lendário etíope. O estádio entrou em delírio. Começaram a gritar o seu nome. Mo Farah correu como nunca. A última volta foi em inacreditáveis cinquenta e dois segundos. O campeão, outrora imbatível, ficou comendo poeira. Na sua entrevista, o atleta inglês também estava incrédulo com o resultado. Falou que, sem o incentivo do público, provavelmente não teria chegado tão longe. O afeto e a alegria do público serviram como uma espécie de doping para o corredor. Nas Olimpíadas do Rio, em 2016, Mo Farah ganhou a prova dos cinco e dos dez mil metros, a última depois de cair durante a corrida, com o público brasileiro gritando seu nome.
O que fez um atleta que nunca tinha sido um corredor de ponta virar um bicampeão olímpico, numa prova sempre dominada por corredores de uma etnia diferente da sua? A sensação de estar sendo carregado pelo afeto das pessoas mudou a seu desempenho de um jeito que emocionou quem entende e não entende do esporte.
Nos primeiros meses da Pandemia, a preocupação e o medo se espalharam mais do que o vírus. Para manter a atividade física com a academia fechada, eu andava com minhas duas cachorras de médio porte pelas ruas desertas daquela época. Comecei a fazer um exercício para combater a tristeza e a sensação de isolamento: quando as duas pets andavam emparelhadas, eu sentia uma alegria de tê-las e de estar vivo, mesmo com toda a incerteza. Durante a caminhada eu sempre conseguia evocar essa alegria durante alguns minutos. Fiz um exercício de canalização da alegria, para enfrentar o clima de velório dos noticiários.
Nosso Cérebro não é programado para o otimismo. Sua programação é para evitar situações de risco ou de sofrimento. O medo é mais potente que a alegria. Lembrar de experiências negativas é mais frequente e comum do que saborear uma lembrança feliz. Mas a alegria e o prazer são o combustível para enfrentar o medo. Vencer a própria limitação e o cansaço fazia os humanídeos trazerem comida para casa. E ainda fazem.
Mo Farah descobriu, com o estádio gritando o seu nome, que era um atleta muito maior do que imaginava. De um corredor mediano ele virou uma lenda, inebriado pela energia que o cercava. Mas não precisamos de um estádio gritando nosso nome para superar nossas limitações. Se não dá para ficar alegre o tempo todo, também é possível incorporar a alegria como uma prática. Como um músculo, que aumenta com o treino. Você pode treinar a alegria ao acordar. Ao sair de casa para trabalhar. Ao ter gratidão por coisas simples, como estar vivo, passeando na rua. Essa prática melhora a Memória, a capacidade de trabalho e a qualidade de vida.
A alegria não vem de graça no seu jardim. É uma planta que precisa ser cuidada e regada. E limpa das ervas daninhas da amargura. Aliás, para terminar essa coluna: foi uma grande alegria compartilhar esse texto com vocês, leitor e leitora.
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