Gregório José
Jornalista/Radialista/Filósofo
O Brasil sempre foi um país de contrastes, mas os números revelados recentemente pelo levantamento do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) nos mostram uma face sombria da nossa sociedade. Entre 2021 e 2023, 5 mil crianças e adolescentes brasileiros foram brutalmente assassinados, uma média de quase 14 vidas interrompidas a cada dia. São números que deveriam nos envergonhar e, mais do que isso, nos mobilizar.
Apesar de uma leve redução em comparação com o período de 2016 a 2020, a realidade é que a violência letal contra nossos jovens continua assustadoramente alta. E, como se não bastasse, esses dados escancaram uma ferida racial que teimamos em ignorar: 82,9% das vítimas são pretos ou pardos. Em termos claros, ser jovem e negro no Brasil é quase como carregar um alvo nas costas. A chance de um adolescente negro ser assassinado é três vezes e meia maior que a de um jovem branco. São dados que gritam por justiça.
E não é apenas a violência letal que assola nossas crianças e adolescentes. A violência sexual, cujos números também foram levantados, revela uma realidade ainda mais macabra: em 2023, foram registrados 165 mil casos de abuso sexual contra menores. Uma criança é violentada sexualmente a cada oito minutos no Brasil, e o avanço desse tipo de crime, especialmente entre os mais jovens, é alarmante. E aqui, novamente, o lar — o lugar onde essas crianças deveriam estar seguras — se mostra um cenário de horror, com 67% dos casos acontecendo dentro de casa.
E o que dizer da letalidade policial? Em 2023, quase 19% das mortes violentas de crianças e adolescentes ocorreram durante intervenções policiais. É inadmissível que forças de segurança, que deveriam proteger, acabem sendo responsáveis por uma fatia significativa dessa tragédia. É um dado que clama por uma política de controle de uso da força mais rigorosa e eficaz.
Esses números, por si só, já são devastadores. Mas o que mais nos assombra é o que não está nos números. Esses dados, obtidos a partir de boletins de ocorrência, representam apenas uma parte do problema. A subnotificação é uma realidade, e os casos que não chegam às autoridades podem esconder uma dimensão ainda mais aterradora da violência que nossos jovens enfrentam.
É mais que urgente que coloquemos essa questão no centro do debate público. Não podemos continuar varrendo esses números para debaixo do tapete, como se fossem apenas estatísticas frias. São vidas de crianças e adolescentes, são futuros interrompidos por uma violência que não podemos aceitar como parte do cotidiano. Falar sobre isso, denunciar e exigir mudanças não é apenas necessário — é nossa obrigação moral.
O Brasil precisa acordar para essa realidade antes que mais vidas sejam perdidas, e antes que percamos, de vez, a nossa humanidade.
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