GIRLENO ALENCAR
A Justiça Federal condenou um fazendeiro, de Pintópolis, em ação civil pública, a reparar todo o dano causado ao meio ambiente por conta de uma construção feita sem autorização do órgão ambiental competente. Os danos decorrem de seis aterros ou barramentos feitos nos canais de abastecimento do complexo de lagoas marginais ao rio São Francisco, localizados em uma fazenda na zona rural do município. Ele também foi condenado a promover a recomposição total do dano ambiental nas áreas situadas dentro de sua propriedade em Área de Preservação Permanente (APP) e da vegetação nativa, caracterizada como Floresta Estacional.
Segundo a decisão, com a condenação, o proprietário deverá apresentar o Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD), no prazo de 90 dias, observando as exigências técnicas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Também terá que comprovar, no processo, a execução desse cronograma e sua execução, sob pena de multa de R$ 25 mil por hectare. Além disso, ele terá de demolir, no prazo de 60 dias, os barramentos ilegais apontados pelo Ibama, localizados no interior de sua propriedade.
A sentença também condena o fazendeiro por não realizar plantios, desmates, colocação de animais ou quaisquer outras intervenções nas áreas embargadas pelo Ibama dentro de sua propriedade. Também terá que manter a demarcação física de todas as áreas embargadas dentro de sua propriedade definidas em vários autos de infração e em termos de embargo emitidos pelo Ibama.
Segundo a ação do Ministério Público Federal (MPF), em 2015, após uma vistoria técnica na fazenda, o Ibama constatou a construção de barramentos nos canais de abastecimento do complexo de lagoas com o objetivo de impedir o fluxo natural da água, com a consequente destruição desses ambientes para ampliação da área de pasto da propriedade. O fazendeiro negou a existência dos barramentos, o que descaracterizaria a necessidade de licenciamento. Afirmou ainda que se tratar de ‘estruturas’ montadas para permitir o acesso à propriedade em períodos de chuvas, sem o objetivo de barrar qualquer curso d’água. Alegou, ainda, que tais ‘sistemas’ seriam anteriores a 22 de julho de 2008, o que resultaria na sua consolidação.
Entretanto, o Ibama, por meio de nota técnica emitida no mesmo ano, esclareceu que o ilícito não só foi praticado recentemente, como também foi feito com o evidente propósito de destruição programada do complexo de lagoas para formação de pasto e consequente aumento da área produtiva da propriedade do fazendeiro. Em 2016, o Ibama realizou uma nova vistoria e constatou a prática de outra grave infração ambiental, que consistia no impedimento à regeneração natural de vegetação nativa numa área de 56,8122 hectare da APP de lagoas marginais ao rio São Francisco. Em razão disso, também embargou quaisquer atividades, inclusive pecuária, naquela área.
O relatório de fiscalização do órgão apontou ainda a inexistência de autorização ambiental, bem como outorga de direito de uso de recursos hídricos, e concluiu que os seis barramentos, objeto da autuação, eram irregulares e de responsabilidade do proprietário. Além disso, afirmou que parte das áreas referentes às lagoas marginais – ‘do Sobrado’ e ‘Barra Velha’, encontrava-se ocupada por pastagem. Ainda, no caso da primeira, foi constatada a presença de gado bovino na APP.
Novamente em 2017, durante os trabalhos da Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) do rio São Francisco, constatou-se que o fazendeiro descumpriu o embargo determinado pelo Ibama em 2016 para não utilizar a área de 56,8122 h para atividades pecuárias. No dia da fiscalização, foram aprendidas 275 cabeças de gado no local embargado e destinado à regeneração nativa. Segundo a ação do MPF, nos sistemas tropicais, a exemplo da bacia do São Francisco, as cheias sazonais provocam o transbordamento lateral dos rios e a consequente formação de grandes áreas alagadas, chamadas de planícies de inundação ou várzeas. Durante a estação seca, com o recuo das águas, essas áreas desconectam-se do canal principal do rio, ficando isoladas e, assim, formando o que se denomina por “lagoas marginais”.
Essas lagoas podem ser permanentes ou temporárias. No entanto, ambas estão submetidas ao regime sazonal do rio – acumulando água tanto do rio, nos períodos de elevada vazão, quanto das chuvas. Devido à intercomunicação com o rio durante a estação chuvosa, as lagoas marginais apresentam uma alta diversidade de nichos, resultando em ambientes complexos e essenciais para a manutenção das funções ecológicas das planícies de inundação.
No período chuvoso, com o transbordamento do rio e a consequente conexão com as lagoas, ovos e larvas dessas espécies são carreados para tais lagoas, onde encontram as condições ambientais necessárias para seu crescimento e proteção, permanecendo até a próxima cheia, quando retornam ao rio. Para o MPF, apesar de essas lagoas serem essenciais para a preservação da biodiversidade, estão ameaçadas por atividades pecuárias. Conforme registrado na petição inicial, “no caso dos rios da bacia do São Francisco, apesar da importância ecológica fundamental da várzea e de suas lagoas marginais, e mesmo com a legislação ambiental de proteção, ocorrem diversos níveis de degradação ambiental em função de atividades como agropecuária e seus desdobramentos”.
Decisão judicial esclarece aspectos da condenação
Ao fundamentar a decisão, o juiz da 3ª Vara Federal de Montes Claros concordou com o MPF e reconheceu que a área composta pelo complexo de lagoas marginais ao rio São Francisco configura espaço territorial especialmente protegido. Portanto, o local constitui APP, conforme constatado, inclusive, em exame pericial. Quanto aos argumentos do réu de que não seria responsável pelos danos ambientais, por se tratar de área consolidada, destacou o juízo que a obrigação de recuperar a área danificada independe do fato de ter sido o proprietário o autor da degradação ambiental.
Assim, “eventual atuação ou intervenção indevida na área no passado não significa salvo conduto para manutenção de conduta prejudicial ao meio ambiente”.
Além disso, o magistrado reforçou que a responsabilidade civil por danos ao meio ambiente independe da responsabilidade penal ou administrativa. Ela pode ser configurada sem a necessidade de comprovação da culpa ou dolo do agente. A sentença também prevê aplicação de multa, caso haja atraso para iniciar a elaboração do projeto – que ultrapasse os 90 dias estipulados -, assim como descumprimento dos prazos máximos para apresentação às autoridades competentes e para o início de sua execução. O valor da multa é de R$ 2.500 por dia de atraso.
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